Supremo definirá questão da autonomia de TRTs e CSJT
Por Luciano Athayde Chaves
A Constituição Federal dispõe, no seu artigo 96, ser da competência privativa dos tribunais brasileiros eleger seus próprios dirigentes, elaborar seus regimentos internos, organizar suas secretarias e serviços auxiliares, inclusive aqueles dos juízos que lhes forem vinculados, bem como prover os cargos de juiz e servidores.
São também de sua competência privativa a proposição de novas unidades judiciárias e os demais atos administrativos de gestão. Essas atividades privativas integram as denominadas garantias institucionais do Poder Judiciário, constituindo parte do que se convencionou, na literatura constitucional, chamar de princípio do autogoverno dos tribunais, cuja importância repousa na ideia republicana de garantia de “independência do Poder Judiciário no relacionamento com os outros poderes” (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2000, página 434).
Ainda que as luzes dos debates sobre a Reforma do Poder Judiciário, em meados dos anos 2000, não tenham ajustado seu foco para esse particular aspecto, a criação dos conselhos nacionais, perpetrada pela Emenda Constitucional 45/2004, agregou a esse desenho institucional outros elementos que ainda carecem de melhor compreensão.
Na época, o debate foi fortemente centrado na proposta de criação do Conselho Nacional de Justiça, e na sua (i)legitimidade constitucional, tema que, logo depois, foi enfrentado e estabilizado pelo Supremo Tribunal Federal (cf. ADI 3.367).
Pouco se falou, por exemplo, sobre a criação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e sobre a harmonização de ambos os conselhos — que passaram a ocupar, administrativamente, posição de cúpula em relação aos tribunais (com exceção do STF), com aquelas garantias institucionais a estes asseguradas pela Constituição.
No caso da Justiça do Trabalho, onde o CSJT, por força do artigo 111-A, parágrafo 2º, inciso II, funciona como órgão central do sistema de justiça de primeiro e segundo graus, a sua função de supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial não ostenta detalhamentos de compatibilização com o autogoverno dos tribunais, o que remete o tema ao crivo da experiência e da construção dos entendimentos a partir das eventuais tensões institucionais.
Essa questão, no entanto, está por receber um pronunciamento mais claro do Supremo Tribunal Federal. Isso porque o Procurador-Geral da República ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.975, rel. min. Marco Aurélio) em face de norma, de caráter genérico, oriunda do CSJT.
Por meio desse procedimento de controle concentrado de constitucionalidade, o PGR impugna dispositivos da Resolução 63/2010, que padronizou a estrutura organizacional e de pessoal dos órgãos da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus.
De acordo com o PGR, a norma impugnada, ao dispor sobre quantitativos de cargos e funções de apoio aos magistrados, criação de foros e regras para a proposição de projetos para criação de novas varas do trabalho, por exemplo, violou o referido artigo 96 da Constituição Federal.
Sustenta, ainda, que o princípio da unidade da Constituição não autoriza concluir que a criação do CSTJ implicou a eliminação do autogoverno dos tribunais, e que, nesse passo, não poderia o Conselho editar ato regulamentar que interfira na autoorganização dos tribunais regionais do trabalho.
Vale destacar que a Resolução 63/2010 pretendeu enfrentar o grave problema de assimetria na estrutura dos tribunais e, principalmente, dos juízos de primeiro grau. Como há 24 tribunais regionais do trabalho, a diferença nas condições de trabalho tem criado um grave desconforto institucional, que compromete até mesmo a construção de confiáveis indicadores para o planejamento estratégico da Justiça do Trabalho.
Nessa mesma pisada, a padronização também conserva a ideia de melhoria na prestação jurisdicional, na medida em que tem o potencial de aumentar a concentração de força de trabalho na atividade-fim, e também de incrementar mais servidores nas unidades jurisdicionais de maior demanda.
É bem verdade que — da concepção à concretização — a Resolução 63/2010 não parece ter atingido seu objetivo central e ainda vem recebendo muitas críticas.
Se a norma foi concebida com a virtude de assegurar condições menos assimétricas de trabalho, em todos os órgãos integrantes do sistema, encimado pelo CSJT, por outro trouxe consigo alguns problemas:
a) ao dispor sobre quantitativos de servidores e função de acordo com a movimentação processual, os tribunais passaram a considerar esse padrão como teto, e não como o mínimo de estrutura, causando tensões naqueles regionais com margem ampliada de recursos humanos. Logo, houve uma zona gris em relação à alocação de excedente, transferindo o problema — sem critérios claros — para o campo de ação institucional local, ou seja, nos próprios tribunais;
b) não levou em conta os processos em execução, mas apenas os processos entrados, na fase de conhecimento, no período de apuração para a classificação da vara, o que, na prática, acaba por não reduzir a assimetria que pretendeu neutralizar. De outro lado, essa quadra tem comprometido o enfrentamento das taxas de congestionamento nessa fase processual nas unidades com maior estoque de processos pendentes de solução. Note-se que essa taxa na Justiça do Trabalho ainda é elevada, próxima a 70%;
c) não considerou que, na segunda instância, há vários serviços auxiliares ligados à atividade-fim, o que faz com que o número de servidores por julgador de segundo grau (gabinete mais secretarias mais serviços de apoio) seja, em realidade, superior àquele reservados aos juízos de primeiro grau. Essa distorção, além de nada contribuir para uma melhor gestão de pessoas, acaba por sobrecarregar a primeira instância, inversamente contemplada com os meios necessários ao enfrentamento das diversas e complexas tarefas inerentes ao seu mister;
d) e, somente tendo em conta a atividade específica do gabinete, há uma assimetria inexplicável. Enquanto um juiz de primeiro grau, de acordo com a mencionada resolução, tem direito a ser auxiliado por um assistente, com uma função de nível FC-5, ao julgador de segundo grau esse número de assessores e assistentes, apenas para essa atividade-fim, pode chegar a 12 (cf. Anexo II da Resolução 63).
Essas assimetrias ganham especial relevo em um cenário no qual os magistrados — em especial o de primeiro grau — são progressivamente mais cobrados, em termos de performance, em razão de indicadores e sistemas telemáticos de acompanhamento, em tempo real, do (não) andamento de processos.
É dizer: se a Resolução 63 tem o mérito de enfrentar as disfuncionalidades estruturais da Justiça do Trabalho, talvez necessite de um debate mais aberto e democrático com a comunidade jurídico-trabalhista (não somente magistrados e servidores, mas também advogados e membros do Ministério Público do Trabalho).
Certamente essas questões, se não constituem o plano central, são possivelmente o pano de fundo das tensões institucionais que resultaram na ADI proposta pelo Procurador-Geral da República.
Ainda que a palavra final do STF não diga tudo sobre virtudes e problemas contidos na Resolução 63/2010, seguramente contribuirá para a definição de critérios constitucionais de harmonização do autogoverno dos tribunais regionais do trabalho com as funções do CSJT, concretizando, assim, linhas mais claras às atribuições de cada um dos atores institucionais envolvidos nesse debate.
Luciano Athayde Chaves é Juiz do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Natal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2013