Seminário em Curitiba discutirá discriminação do trabalhador portador do HIV/AIDS
Evento terá a participação da Diretora do Departamento de Normas Internacionais da OIT, Cleopatra Doumbia-Henry
Criar um espaço onde se possa debater a discriminação do trabalhador portador do vírus HIV e, com isso, colaborar para mudanças nessa área. Esse é o objetivo do seminário “AIDS e Trabalho – Um ano da Recomendação 200 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, que acontece em Curitiba nesta quinta e sexta-feira (30/6 e 01/7), no Tribunal Regional do Trabalho do Paraná. O evento é uma realização da Ematra-PR em conjunto com a Escola Judicial do TRT da 9ª Região e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), e conta com o apoio da Amatra9 e do TRT-PR.
Ratificada pelo Brasil, a recomendação 200 da OIT, que trata sobre trabalhadores soropositivos, foi aprovada em junho do ano passado durante a 99ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, com o objetivo de intensificar as ações em favor dos direitos e da dignidade das pessoas direta e indiretamente atingidas pela AIDS.
De acordo com o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, desde o início da epidemia, em 1980, até junho de 2010, o Brasil registrou 592.914 casos de AIDS. A faixa etária mais atingida é de 20 a 59 anos de idade. “Esses dados são preocupantes porque demonstram que a doença atinge a população mais produtiva inserida no mercado de trabalho e por isso a importância de discutirmos o tema”, afirma o juiz Eduardo Milléo Baracat, titular da 9ª Vara do Trabalho de Curitiba e um dos organizadores do seminário.
O primeiro caso de discriminação contra um soropositivo julgado pela Justiça do Trabalho do Paraná ocorreu em 1993, quando um ex-empregado decidiu questionar sua demissão de uma grande rede de supermercados e ganhou o direito de ser reintegrado ao trabalho. “Foi difícil proferir a sentença, que considero a mais difícil da minha carreira”, lembra a desembargadora federal do Trabalho Marlene Suguimatsu, que, na época, era juíza da 16ª Junta de Conciliação da capital paranaense.
“Não havia nenhuma outra decisão em que pudesse me basear. Naquele período, falar em AIDS era algo amedrontador. A pessoa que estivesse com a doença tinha decretada a sua sentença de morte. Não existia jurisprudência ou acesso a informações sobre a doença que hoje estão disponíveis”, diz Marlene.
A magistrada conta que buscou se certificar de que não haveria riscos, tanto ao trabalhador quanto para as pessoas que frequentavam o supermercado. “Do ponto de vista médico, não justificava o medo alegado pela empresa de que ele poderia manusear produtos a serem adquiridos por outros, e que isso poderia ser perigoso. Do ponto de vista jurídico, me assegurei no espírito que move a Constituição brasileira, de cunho humanista, no sentido de promover o bem de todos, sem preconceitos”.
Para ela, a demissão foi uma conduta desumana, além de arbitrária e discriminatória, diante da falta de assistência que havia para o trabalhador portador do vírus da AIDS. “Prevaleceu a minha preocupação em proferir uma decisão justa e correta. Não era possível deixar um trabalhador desprotegido”, conta a desembargadora, que é uma das palestrantes do segundo dia do seminário “AIDS e Trabalho – Um ano da Recomendação 200 da OIT”.
Embora a empresa tenha recorrido, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2004, manter a primeira decisão. O trabalhador recebeu uma indenização no valor de R$ 85 mil e faleceu pouco tempo depois.
Discriminação
Segundo o presidente do Grupo Amigos, que congrega pessoas com AIDS, Dino Thomaz Lopes, muitos dos frequentadores do grupo já sofreram discriminação dentro do ambiente de trabalho. “Os trabalhadores aidéticos sofrem assédio moral, são inferiorizados e, com isso, a empresa induz o funcionário à demissão”, observou ele.
Para o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, a discriminação já começa nos testes de admissão. “Nenhuma empresa tem o direito de pedir os testes de HIV para contratar uma pessoa, e isso se torna motivo de eliminação”, diz Toni Reis.
Ronaldo, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS, de 33 anos e portador do vírus há sete anos, conta que descobriu ser aidético quando atuava como supervisor em uma empresa de prestação de serviços de um supermercado, em Curitiba, e passou dois anos, dos oito que trabalhou na empresa, em uma rotina constante de internações.
“Como faltava ao trabalho, frequentemente, por questões médicas, tive de enviar meus exames para comprovação das minhas idas ao hospital, assim eles ficaram cientes da minha situação”, lembrou. Segundo Ronaldo, no início a discriminação era algo muito implícito e velado. “Eu era cotado para promoções e, depois que eles souberam da minha doença, tudo mudou. As dificuldades na empresa começaram a ser uma rotina. Eu trabalhei dois anos e eles me demitiram com uma justificativa incoerente. A discriminação ainda é bastante comum e as pessoas pensam que a transmissão acontece pelo contato superficial”, revelou.
Garantias
Pela Constituição brasileira, os portadores do HIV, assim como todo e qualquer cidadão brasileiro, têm obrigações e direitos garantidos. Entre eles estão: dignidade humana e acesso à saúde pública e, por isso, estão amparados pela lei. O Brasil possui legislação específica para os grupos mais vulneráveis ao preconceito e à discriminação, como homossexuais, mulheres, negros, crianças, idosos, portadores de doenças crônicas infecciosas e de deficiência.
Sigilo – O portador do vírus também tem direito de manter em sigilo a sua condição sorológica, no ambiente de trabalho, como também em exames admissionais, periódicos ou demissionais. Ninguém é obrigado a contar sua sorologia, senão em virtude da lei. A lei, por sua vez, só obriga a realização do teste nos casos de doação de sangue, órgãos e esperma. A exigência de exame para admissão, permanência ou demissão por razão da sorologia positiva para o HIV é ilegal e constitui ato de discriminação.
Auxílio-doença – Se a incapacidade para o trabalho ocorrer por um prazo superior a 15 dias e inferior a 12 meses.
Aposentadoria por invalidez – Se a incapacidade para o trabalho ocorrer num prazo superior a 12 meses. Para se ter direito a esses benefícios, é necessário ser contribuinte do INSS.
Benefício de Prestação Continuada – É a garantia de um salário mínimo, de benefício mensal, à pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho, bem como ao idoso com 65 anos ou mais, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. Esse benefício independe de contribuições para a Previdência Social.
Saque do FGTS – É possível o saque integral do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em razão de doença grave, entre elas a AIDS. As pessoas portadoras de HIV e doentes de AIDS – ou a pessoa que possui dependente vivendo com HIV e AIDS – têm o direito de requerer, junto à Caixa Econômica Federal, o saque do FGTS, portando atestado médico no qual conste o nome da doença ou o código da Classificação Internacional de Doenças (CID respectivo); Carteira de Trabalho e Previdência Social; identificação de trabalhador/a ou diretor/a, inscrição no PIS/PASEP e, se for o caso, comprovar relação de dependência.
Isenção no Imposto de Renda – A pessoa que foi diagnosticada com AIDS pode receber os valores, em razão de aposentadoria, reforma ou pensão, isentos de imposto de renda. Para reconhecimento de isenção, a doença deve ser comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, devendo ser fixado o prazo de validade do laudo pericial, no caso de doenças passíveis de controle.
SEMINÁRIO
Mais informações sobre o evento estão disponíveis nos sites da Anamatra (www.anamatra.org.br), da Amatra9 (www.amatra9.org.br) ou da Ematra (www.ematra9.org.br)
Programação:
30 de junho – 5ª feira
17h00: Credenciamento e entrega de material
18h00: Solenidade de abertura
Cleopatra Doumbia-Henry (Diretora do Departamento de Normas da OIT)
Desembargador Ney José de Freitas (Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região)
Palestras de abertura:
“A Relevância das Normas Internacionais do Trabalho em Matéria de Igualdade no Emprego e Ocupação – Convenções 100 e 111 da OIT”
Palestrante: Laís Abramo (Diretora da Organização Internacional do Trabalho no Brasil)
“Viver com AIDS – Desafios Enfrentados pelas Pessoas HIV+ no Ambiente Laboral”
Palestrante: Moysés Toniolo (Rede Nacional de Pessoas que Vivem com HIV)
1º de julho – 6ª feira
9h00: Palestra “A Discriminação do Trabalhador com HIV no Ambiente de Trabalho”
Palestrante: Marlene Suguimatsu (Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região/PR)
10h00: Palestra “Importância da Epidemia de HIV/AIDS no Mundo Laboral”
Palestrante: Ivo Brito (Coordenador de Direitos Humanos, Risco e Vulnerabilidade (DHRV) do Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância da Saúde)
11h00: Intervalo
11h10: Palestra “Novos Instrumentos na Luta contra a Discriminação no Local de Trabalho – Recomendação 200 da OIT”
Palestrante: Eric Carlson (Especialista Regional em HIV/AIDS no Mundo do Trabalho do Escritório Sub-Regional da OIT em Santiago do Chile)
12h15: Intervalo para almoço
14h00: Palestra “O Movimento Sindical e o Trabalhador com HIV”
Palestrante: Leandra Perpétuo (Assessora de Direitos Humanos da Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas)
15h00: Palestra “Os Empresários e o Trabalhador com HIV”
Palestrante: Neusa Burbarelli (Presidente do Conselho Empresarial Nacional para o HIV/AIDS – CENAIDS)
16h15: Intervalo
16h30: Palestra “As Técnicas de Monitoramento para a Efetividade das Normas Internacionais do Trabalho”
Palestrante: Lelio Bentes Corrêa (Ministro do Tribunal Superior do Trabalho)
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