21 de março de 2011

De Portugal: Diretor da Ematra relata a conferência de abertura do Congresso Internacional da Anamatra

ESTADO CONSTITUCIONAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Por Paulo Henrique Conti*

A abertura do 6º Congresso Internacional da Anamatra, realizado de 14 a 18 de março, ocorreu no auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal, com uma conferência do Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Ministro CARLOS AYRES BRITTO.

Em síntese, o Ministro expôs sua convicção de que o Direito – o sistema normativo jurídico – é o maior engenho da humanidade. Lembrou Aristóteles, para quem ao homem não bastaria viver, mas sim conviver, o que somente e possível mediante o Direito.

Por outro lado, se a obra prima da humanidade é o Direito, a obra prima do Direito seria a Constituição.

Nessa linha de raciocínio, prosseguiu explorando a dicotomia entre Estado e Constituição.

A subjetivação do Estado seria uma conquista fundamentalmente constitucional, pois, atualmente, falar de Estado é falar de Direito, de ordem jurídica, superando a concepção absolutista da convergência do Estado na pessoa do governante. Então, a ideia de Constituição surgiu para se opor a ideia de estado absolutista.

Precedente e exterior à noção de Estado é a concepção de Nação, como apresentada pelo abade Frances Emmanuel Joseph Sieyès, possuidora de um poder superior ao do Estado e sua legitimadora. Para o Ministro, a Nação compreende uma linha imaginaria atemporal que ligaria passado, presente e futuro de um povo, em analogia à família. A Nação seria uma família amplificada, no dizer de Ruy Barbosa.

Antes, o Estado era o Direito. Depois, a Nação assumiu o poder constituinte, o poder de elaborar a “lei das leis”. A Constituição, no plano lógico, sustenta toda a normatividade. Dessa revolução do pensamento jurídico surgiu o Estado Constitucional.

A Constituição é o “projeto de vida” de uma Nação, enquanto o Estado Constitucional é aquele legitimado e constantemente monitorado pela Constituição.

A Constituição cria o Estado, mas não o deixa livre, pois deve impedir que o Direito gravite apenas na órbita do Estado. O Estado é somente a ordem visível do poder. A Constituição colocou o Estado em seu devido lugar, pois ela “governa aqueles que governam”. Ela é fonte, bussola e imã. Nela, a meta é a própria fonte, no processo de aplicação do direito.

Desses conceitos, o Ministro AYRES BRITO fez uma derivação para os direitos fundamentais.

Para ele, o estabelecimento de direitos considerados fundamentais representa uma técnica de reforço – uma ênfase – no objetivo de limitação do poder do Estado e de todas as formas de poder, inclusive do poder político e econômico. Um controle maior sobre o Estado em determinados tópicos.

São direitos fundamentais individuais aqueles previstos no artigo 5 da Constituição Federal do Brasil, listados em 78 incisos. São oponíveis ao Estado, dele se podendo exigir uma inação, nesses temas fundamentais, uma abstenção de violação. São direitos subjetivos públicos que encontram seu fundamento na liberdade.

São também fundamentais os direitos sociais constantes dos 34 incisos dos artigos 6 e 7 da Constituição Federal brasileira , que não exigem uma postura absenteista do Estado, mas sim uma efetiva função promotora pelo Estado – e de forma indireta por toda a sociedade. São fundamentais, mas são de caráter patrimonial. Acrescem-se aos direitos fundamentais individuais com função distributiva de riquezas. Neles o fundamento se encontra na igualdade, no plano da materialidade mínima, sem a qual não se pode sequer gozar dos direitos fundamentais individuais. Historicamente, encontram sua constitucionalização no México em 1917, na Constituição Russa de 1918 e na Alemã de 1919.

Há também os direitos fundamentais de caráter fraternal, expostos no artigo 3 da Constituição Federal brasileira, que induzem à construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Às ideias de “liberdade, igualdade e fraternidade” da Revolução Francesa, agregamos ainda a busca por segurança, bem estar e desenvolvimento. Além disso, desejamos uma sociedade pluralista, fraterna e sem preconceitos. Os direitos fundamentais fraternais assistem aos seguimentos sociais historicamente desfavorecidos, e até vilipendiados. Não se confundem com os direitos sociais, pois o objetivo aqui não é promover a inclusão social e econômica, mas sim uma efetiva “integração social”. Se realizam, basicamente, por meio de “ações afirmativas”.

Há, por fim, direitos fundamentais políticos, na formação e controle de exercício dos cargos estatais.

Para o Ministro, a Constituição faz do Brasil, juridicamente, primeiríssimo mundo. O problema surge quando a normatividade se confronta com a realidade. Aponta que o povo brasileiro é dotado de um patrimonialismo cultural que advém da nossa hierarquização e burocracia, fruto dos costumes da Monarquia que se infiltraram na Republica.  Essa característica nos leva, por vezes, a desqualificar a materialidade da norma por sua literalidade. Daríamos ênfase aos direitos individuais, com eles superando os demais direitos fundamentais.

Considera a Constituição progressista, mas adverte que o aplicador do Direto é, em regra, conservador. Citando o Juiz do Trabalho carioca Alexandre Bastos Cunha, conclui que os Juízes se movimentam em uma linha tênue entre a segurança e a justiça, mas dando ampla preferência à segurança. Aconselha, porém, que o Juiz deve ver a vida “vivida” e não a vida como ela é “pensada”.

*Paulo Henrique Conti é juiz do Trabalho, diretor da Escola dos Magistrados do Trabalho do Paraná e secretário-geral do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho (Conematra).