22 de março de 2011

De Portugal: Conferência do professor Jorge Miranda sobre a Constituiçao Portuguesa

Os 35 Anos da Constituição Portuguesa

Por Paulo Henrique Conti*

O Professor Jorge Manuel de Miranda, catedrático das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa, se considera suspeito para falar da Constituição Portuguesa de 1976, na medida em que de sua elaboração participou intensamente, como um jovem deputado constituinte eleito logo após a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974, considerando aquele o momento de trabalho mais fascinante de sua vida.

Desde o início do processo de elaboração do novo texto constitucional, manifestou sua insatisfação com alguns aspectos da Constituição, mas, mesmo assim, considera que seus fundamentos essenciais ficaram muito bem alicerçados, de modo que o restante poderia ser considerado de menor importância, naquele momento histórico. Por tais alicerces a Constituição manteve a normalidade no Estado ao longo dos últimos trinta e cinco anos.

Considera também que ela teria influenciado os movimentos de elaboração da Constituição Espanhola de 1978 e Brasileira de 1988, além de várias outras de países africanos de língua portuguesa e de Timor Leste.

Explicou que as quatro primeiras constituições portuguesas foram eminentemente liberais. A partir de 1926 o regime político e jurídico tornou-se autoritário, mantendo-se assim até 1974. Dessa forma, a Constituição de 1976 representou um ponto de partida para um novo momento democrático, prevendo o sufrágio universal, instituindo uma democracia representativa e participativa. Desde então há paz e liberdade em Portugal, embora não se possa dizer que tudo sejam maravilhas. Houve sucessivas crises, tanto políticas quanto econômicas, como a severa crise atual. Para o Prof. Jorge Miranda, essas crises só foram superadas sem maiores traumas em razão das garantias constitucionais.

Delineou uma estrutura constitucional:

Há uma primeira parte que dispõe sobre os direitos fundamentais, em um longo enunciado de sessenta e nove artigos. Estabelece uma República baseada nos postulados da dignidade da pessoa humana, mas não se limita a retratar as ideias do liberalismo do século XVIII. Avança para dispor sobre direitos econômicos e sociais que, embora algumas diferenças estruturais, têm sido aproximados dos direitos individuais em sua interpretação e eficácia.

Nesse ponto a Constituição também contempla regras para salvaguardar o conteúdo dos direitos fundamentais, garantindo sua concreção, contrastando com inúmeras outras que relacionam longamente os direitos fundamentais, mas nada elaboram para efetivá-los. Também defina as incumbências do Estado para a promoção dos direitos fundamentais.

Há a parte que trata da organização econômica, que é o aspecto dela que mais sofreu alterações desde a promulgação, em razão do dinamismo da conjuntura. Explicou que, de início, essas normas constitucionais tendiam a encaminhar a sociedade portuguesa para um modelo de socialismo moderado, compatibilizado com os institutos de liberdade de iniciativa e da propriedade privada. Um socialismo típico português. Todavia, as reformas de 1982 e 1989 e a interpretação jurisdicional levaram a uma superação da ideia socialista e introdução de uma economia de mercado, inclusive como condição necessária para a inclusão de Portugal na União Européia. Ressalta que, não obstante o regime de mercado, ainda persiste grande possibilidade de intervenção do Poder Público na iniciativa privada, contratando com a maior parte das constituições européias.

Há a parte que dispõe sobre a organização política. Em seus aspectos essenciais, estabelece o Estado Unitário, dando alguma autonomia aos arquipélagos de Açores e Madeira. Institui um regime de governo semi-presidencialista, cuja característica, por razões históricas, é evitar a concentração de poderes tanto no Presidente quanto no Parlamento, na medida em que os constituintes rejeitaram tanto o presidencialismo quanto o parlamentarismo puros.

Nesse regime convivem três órgãos políticos ativos: o Parlamento, o Governo, pelo Primeiro-Ministro, e o Presidente, que preside, mas não decide as políticas de governo, embora mantenha uma série de poderes, especialmente quando não se forma uma maioria numérica clara no Parlamento, especialmente o poderes para dissolver o governo, de veto, de fiscalização da constitucionalidade das leis, de representação internacional, e funções militares.

Quanto ao controle de constitucionalidade das leis, há quatro meios:

a) Controle Preventivo. Manifesta-se no momento de elaboração e promulgação da lei e é exercido fundamentalmente pelo Presidente da República, ao exercer o veto político ou pedindo uma fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, objetivando verificar-lhe a constitucionalidade;

b) Controle Concreto (difuso). É exercido por qualquer Juiz ou Tribunal, com possibilidade de recurso ao Tribunal Constitucional. Gera efeitos apenas no caso concreto. Se em controle concreto o Tribunal Constitucional julgar pelo menos três vezes inconstitucional uma norma, deve ser iniciado um processo de verificação abstrata de constitucionalidade dessa norma;

c) Controle Abstrato. Exercido pelo Tribunal Constitucional, constituído por dez juízes. É decisão com eficacia “erga omnes”, vinculando até o próprio Tribunal, que não pode reconsiderar sua decisão no futuro. Respeitam-se apenas as decisões judiciais anteriores protegidas pela coisa julgada. Não existe coisa julgada inconstitucional;

d) Controle de Inconstitucionalidade por Omissão – destina-se às normas de conteúdo programático, nas hipóteses em que o legislador está obrigado a promulgar leis destinadas a concretizar direitos não auto-exequíveis relacionados na Constituição. Em tais casos, o Tribunal Constitucional é chamado a intervir. Já se cogitou que o Tribunal Constitucional substituísse o parlamento na elaboração da norma desejada, mas esse entendimento não prevaleceu, inclusive porque o Legislativo tem atendido as decisões judiciais e logo tem elaborado as leis necessárias, após a decisão constitucional, em todos os casos.

*Paulo Henrique Conti é juiz do Trabalho, diretor da Escola dos Magistrados do Trabalho do Paraná e secretário-geral do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho (Conematra).