Presidente da Amatra IX fala sobre a Sumula Vinculante do Tribunal Superior do Trabalho
A emenda ficou pior do que o soneto?
Supremo Tribunal Federal suspende súmula do Tribunal Superior do Trabalho sobre adicional de insalubridade e gera confusão jurídica
08/08/08 – Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a súmula vinculante nº 4, em maio deste ano, uma discussão que se arrastava há duas décadas parecia encerrada: como prega a Constituição Federal desde 1988, o salário mínimo não pode ser utilizado como indexador para o cálculo de vantagens trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), então, apressou-se em alterar o enunciado de sua Súmula n.° 228, que indexava o salário mínimo ao adicional devido pelos empregadores a empregados que atuam em atividades consideradas insalubres – o chamado “adicional de insalubridade”. Mas a pressa parecer ser mesmo inimiga da perfeição, e a modificação da súmula trabalhista, publicada no início do mês passado, já foi suspensa liminarmente pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes.
A causa da suspensão gera polêmica. Aparentemente, a súmula trabalhista, ao invés de se adequar à súmula do Supremo (motivo pela qual foi revisada), afronta-a. A súmula vinculante n° 4 informa que o salário mínimo não pode ser utilizado como base de cálculo do adicional de insalubridade. Ficou então pairando no ar a dúvida: se o mínimo não pode, o que pode? Eis que o TST tentou resolver a questão com a nova redação de sua súmula nº 228, fixando o salário básico (o salário mensal do empregado) como base de cálculo – a exemplo do que ocorre com o adicional de periculosidade (pago quando o empregado realiza atividades perigosas), previsto na súmula nº 191.
Estaria tudo certo, não fosse o fato de a súmula vinculante do STF informar que, uma vez utilizado como base de cálculo, o salário mínimo “não pode ser substituído por decisão judicial”. Ou seja, o TST não poderia ter definido a nova base de cálculo. “O TST ‘legislou’ e ele não tem poder legiferante”, explica Roberto André Oresten, professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Nas palavras do ministro Gilmar Mendes, “a nova redação estabelecida para a súmula nº 228 do TST revela aplicação indevida da súmula vinculante nº 4, porquanto permite a substituição do salário mínimo pelo salário básico no cálculo do adicional de insalubridade sem base normativa”.
Toda essa confusão poderia ter sido evitada se a súmula vinculante n° 4 trouxesse em sua redação o que Gilmar Mendes escreveu na decisão liminar das reclamações contra a súmula nº 228 do TST: “que o adicional de insalubridade deve continuar sendo calculado com base no salário mínimo, enquanto não superada a inconstitucionalidade por meio de lei ou convenção coletiva”. “Os ministros do STF não foram prudentes ao deixarem de indicar uma base de cálculo na súmula vinculante”, analisa Oresten. Já a advogada trabalhista Elisete Mary Salles Stefani preocupa-se com a insegurança jurídica gerada pela situação. “O número de processos judiciais já existentes, discutindo a questão, é grande e a aplicação da súmula do TST poderia evitar inúmeros recursos”, diz.
Luta de classes
Três entidades tiveram seus pedidos liminares de suspensão da súmula nº 228 do TST acolhidos (nas Reclamações nº 6.266, 6.275 e 6.277): a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Unimed Ribeirão Preto Cooperativa de Trabalho Médico e a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS). Como se nota, três entidades vinculadas ao pólo da relação trabalhista mais atingido pela súmula: os empregadores. Isso porque, se a base de cálculo do adicional de insalubridade for o salário básico (e não o mínimo), os valores devidos aos empregados é muito maior. “Utilizar o salário básico é o mais justo”, avalia Oresten.
A partir de agora, o embate em torno da súmula trabalhista deve mobilizar mais empregados e empregadores. Na última quarta-feira, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) pediu para ser incluída no processo que discute o tema no Supremo. Duas outras entidades de empregados já haviam feito o mesmo na semana passada. A pedido do ministro Gilmar Mendes, o presidente do TST, ministro Rider Nogueira de Brito, encaminhou ao STF, no fim do mês passado, esclarecimentos sobre a súmula nº 228. O que vai acontecer, ninguém sabe. “Mas é preciso que o STF se pronuncie logo. Essa é uma questão social”, completa Oresten.
“Houve um erro de redação”
De acordo com o advogado trabalhista José Affonso Dallegrave Neto, professor da Escola da Magistratura, a nova redação da súmula nº 228 do TST acertou ao fixar o salário básico como indexador. O erro foi fundamentar sua postura apenas na súmula vinculante nº 4 do STF. “O correto seria constar que se baseava na melhor interpretação do art. 7º, XXIII, da Constituição. Esse erro de redação deu margem para as reclamações contra a súmula do TST”, diz. Ele explica que o inciso XXIII fala em “adicional de remuneração” para a insalubridade e a periculosidade. Se o inciso IV veda o salário mínimo como indexador, “só pode, então, ser o salário básico do empregado”, afirma Dallegrave Neto. Segundo ele, essa interpretação vai ao encontro do princípio “in dúbio pro operário” (na dúvida, a norma deve ser interpretada em favor do empregado), aplicado no Direito do Trabalho.
Para Dallegrave Neto, a súmula vinculante nº 4 informa que é o salário mínimo que não pode ser substituído por decisão judicial, não a base de cálculo. Ou seja, a própria súmula vinculante do STF estaria sendo mal-interpretada. Ele ainda aponta equívocos na decisão do ministro Gilmar Mendes, entre eles o fato de que “a decisão do STF, em sede liminar, sofreu pressões políticas da classe patronal e isso é explícito nas razões que fundamentaram a Reclamação proposta pela CNI acerca do impacto na folha de pagamento”.
Juízes do Trabalho ficam sem saber como decidir
“Esse imbróglio envolve um erro de origem, que é a própria súmula vinculante”. A opinião é de Bráulio Gabriel Gusmão, juiz do Trabalho e presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 9ª Região (Paraná). Segundo ele, o TST interpretou a súmula vinculante nº 4 do STF de uma maneira. O ministro Gilmar Mendes, ao analisar as reclamações contra a súmula do TST, de outra. “Se a súmula vinculante é passível de interpretação, então não serve para o que foi criada. Causa até mais problemas”, diz, lembrando que a súmula vinculante foi instituída com o objetivo de dar maior celeridade ao Judiciário, vinculando as decisões dos juízes de instâncias inferiores aos enunciados ditados pelo STF (ou seja, não deveria ser interpretada).
Segundo Gusmão, a magistratura trabalhista está assustada. “Alguns juízes estão em dúvida. Não sabem como decidir. Ficou tudo muito confuso”, comenta. Segundo ele, o problema se estende também às empresas, que ficam sem saber como pagar o adicional de insalubridade. O magistrado defende a atitude do TST em definir o salário básico como base de cálculo para o adicional. “O Tribunal não poderia simplesmente retirar a súmula nº 228 e deixar um vazio. O TST buscou a coerência. Como o STF não indicou na súmula vinculante um indexador, o TST resolveu fazê-lo”.
(Fonte: Gazeta do Povo; Vida e Cidadania – Justiça; Vinícus Dias)