19 de julho de 2010

PEC sobre aposentadoria compulsória será contestada

* Publicada também no Blog do Fred (Folha de S. Paulo) e no Correio do Povo (MS)

A Associação dos Magistrados do Brasil divulgou nota em repúdio à aprovação pelo Senado Federal da Proposta de Emenda à Constituição 89/2003, que trata da aposentadoria compulsória de juízes e perda de cargo. A AMB afirmou que, caso a PEC seja transformada em lei, irá questionar a sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

A proposição, de autoria da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), tem como objetivo autorizar a perda de cargo do juiz ou membro do Ministério Público por decisão de dois terços dos membros do tribunal ou conselho ao qual estiver vinculado. O texto foi aprovado esta semana pelo Senado e agora será analisado pela Câmara dos Deputados.

Em conjunto com a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a AMB chegou a encaminhar ao STF e ao Conselho Nacional de Justiça um ofício contestando a PEC.

As entidades esclarecem que a proposta vai de encontro às garantias fundamentais da magistratura, asseguradas pela Constituição Federal. No caso específico, o principal deles é o da vitaliciedade – segundo o qual, após dois anos de exercício, o juiz só pode perder o cargo mediante sentença judicial transitada em julgado.

Segundo a AMB, muito ao contrário do que se tem propalado, a garantia é de suma importância para a sociedade, pois tem o objetivo de assegurar a necessária imparcialidade do juiz, uma vez que o protege de pressões externas — de ordem política, econômica ou conjuntural — quando do julgamento das ações judiciais. A simples previsão da perda do cargo em sede administrativa, portanto, implicaria em violação da independência necessária ao exercício da magistratura.

No entanto, a entidade defende que a aposentadoria compulsória não é a punição máxima para os juízes que cometeram irregularidade.  Dependendo do caso concreto, o juiz aposentado poderá perder o cargo mediante provocação do Ministério Público, a quem compete propor a ação própria.

O presidente da AMB, Mozart Valadares Pires, assegurou que irá trabalhar contra a aprovação da PEC na Câmara dos Deputados.

Leia a nota:


Nota Pública

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra, entidade representativa dos juízes do Trabalho em todo o Brasil, apresenta à sociedade brasileira Nota Pública, a propósito da aprovação, pelo Senado Federal, da PEC nº 89, de 2003, que modifica o texto dos arts. 93 e 95 da Constituição Federal para permitir a perda de cargos dos juízes por mera decisão administrativa dos tribunais, nos termos seguintes:

1. A independência judicial, essencial para assegurar a existência do Estado Democrático de Direito brasileiro, exige que a magistratura esteja protegida pela vitaliciedade, dando ao juiz a necessária segurança para exercer sua função livre das pressões do poder político e dos grupos econômicos. O constituinte originário, atento a essas questões, inscreveu a vitaliciedade como cláusula constitucional pétrea, dispondo que a perda de cargo do magistrado depende de decisão judicial transitada em julgado. É princípio que assegura a independência dos juízes no exercício de suas funções e, via de consequência, confere à sociedade a certeza de Judiciário livre de pressões internas e externas.

2. Por outro lado, tendo em vista as características da estrutura judiciária brasileira, que ainda apresenta baixa densidade de democracia interna, não é raro que ocorram punições ou ameaças de punições indevidas aos juízes de primeiro grau, motivadas por divergências com a administração dos tribunais e até mesmo de entendimento na manifestação de suas convicções jurídicas. Atribuir a perda de cargo à mera decisão administrativa dos tribunais é fragilizar a magistratura a ponto de intimidá-la e aumentar o déficit democrático no Poder Judiciário.

3. Cabe esclarecer também que, pela legislação atual e a própria Constituição Federal, já existe a previsão de perda legal do cargo dos magistrados mediante provocação do Ministério Público, em decorrência de decisão judicial transitada em julgado, no qual há a garantia dos princípios constitucionais de ampla defesa e do contraditório, também concedida aos demais cidadãos litigantes. A mudança proposta pela PEC incorreria na possibilidade de uma exoneração administrativa, privando o magistrado de ser julgado por via judicial, violando, portanto, a garantia de vitaliciedade.

4. A aprovação pelo Senado Federal da PEC nº 89, ao trazer para o âmbito dos próprios tribunais a possibilidade da perda de cargo dos juízes por decisão administrativa, sem as garantias amplas do processo judicial, viola cláusula imodificável da Constituição Federal e incorre em vício de inconstitucionalidade e quebra a garantia da independência dos juízes, permitindo a aplicação da sanção máxima aos magistrados pelo vago conceito de violação de decoro.

5. Não é saudável à democracia brasileira a aprovação de emenda constitucional baseada em episódios isolados, ao passo que a verdadeira imagem da Justiça é a de uma imensa maioria de juízes e juízas comprometidos com o trabalho e com a cidadania, e que não podem, a bem da sociedade, ser tolhidos na liberdade decisória que a própria Constituição lhes confere.

6. Confia a Anamatra que a Câmara Federal examinará a matéria com a maturidade devida, observando o interesse público e em harmonia com os princípios inscritos na Constituição para preservar a necessária independência do Poder Judiciário.

Brasília, 9 de julho de 2010

Luciano Athayde Chaves

Presidente da Anamatra

(Fonte: Consultor Jurídico)