21 de julho de 2017

Opinião – Alguns Aspectos da Reforma Trabalhista – aplicabilidade, petição inicial, defesa e audiência

ALGUNS ASPECTOS DA REFORMA TRABALHISTA – aplicabilidade, petição inicial, defesa e audiência

Luciano Augusto de Toledo Coelho
Juiz do Trabalho em Curitiba PR

E ela chegou. A polêmica lei da chamada reforma trabalhista, que para alguns será o caminho para um novo e moderno modelo de relações do trabalho, para outros será o fim do direito do trabalho como conhecemos, prejudicando a parte mais fraca na relação, o trabalhador. Não entraremos nessa seara, permeada de ideologia, de política e de boa dose de paixão vinda dos que defendem a reforma e dos que a atacam.

A preocupação imediata é com a entrada em vigor, num prazo de “vacatio” em nosso ver muito curto, de 120 dias, de uma série de normas materiais e processuais com as quais o juiz do trabalho, já assoberbado com a complexidade diária da solução dos conflitos trabalhistas, precisará agora lidar,  dia a dia,  a partir da entrada em vigor da reforma.

E desde já pedindo vênias para, diante dos inúmeros debates que advirão nesse período de vacatio da lei, eventualmente alterar os entendimentos aqui expostos nessa primeira ponderação.

O escopo é apenas o de levantar algumas questões sobre os aspectos da reforma que,  entendemos,  poderão trazer polêmica e decisões díspares, gerando grande insegurança jurídica, ao contrário do que a reforma propagou que aconteceria.

  1. APLICABILIDADE DAS NORMAS

As normas de direito material não benéficas ao trabalhador, aplicam-se, a nosso ver somente aos novos contratos de trabalho, àquelas entabulados a partir da entrada em vigor da reforma. A menos que para beneficiar os trabalhadores e de forma coletiva, com participação do sindicato na análise. Do contrário, quer nos parece que contratos em vigor, a teor do artigo 468 da CLT, não revogado, não podem ser afetados por normas menos benéficas.

Assim, a parte material da reforma, Lei 13457/2017, será aplicada apenas aos novos contratos,  posteriores à sua entrada em vigor.

Não se olvida, entretanto, que a matéria será permeada de polêmicas. Um empregado com contrato em vigor, e que ajuíze demanda em período posterior à lei, postulando o tempo pelo período utilizado para troca de uniformes, que a nova lei nos artigos 4º, parágrafo 2º, não considera tempo à disposição, e caso provado tal período em juízo, terá direito às horas respectivas ? Repisamos que, em se tratando de contrato anterior à lei, a resposta é positiva.

O contrato não pode ficar sujeito a dois regimes, máxime tendo o segundo regime retirado um direito consagrado pela jurisprudência atual. Claro que há o risco, nessa interpretação, de que o empregador entenda por bem encerrar o contrato, e contratar empregado sob a égide de novo regime. Essa estratégia, aplicada a todos os empregados da empresa, todavia, enseja seus riscos e não cremos que seria a opção dos bons empregadores e gestores.

Já as normas de direito processual aplicam-se de forma imediata. O artigo 14 da lei 13105/2015 é claro: a norma processual será aplicável imediatamente aos processos em curso. Nesse sentido, as normas da nova lei, relativas à honorários de sucumbência, custas, normas relativas à prazos, petição inicial, audiência, defesa e execução, serão imediatamente aplicadas.  Estas normas processuais, devido ao curto período para adaptação, trarão enormes discussões e diferentes forma de interpretação e aplicação.

De plano, como em regra juízes do trabalho não deferiam honorários de sucumbência, resta estabelecer os critérios, diante de ações sempre com cumulação de pedidos, nas quais o trabalhador é sucumbente em vários pedidos, e nas quais o autor da demanda geralmente não possui qualquer condição financeira.

Muitas vezes o trabalhador tem dificuldades até para pagar o ônibus para ir para a audiência, quando mais pagar honorários ao advogado da parte contrária.

O deferimento de honorários, agora imposição da lei e aplicável inclusive aos processos em curso, causará uma enormidade de execuções infrutíferas, com necessidade de atuação de dos já assoberbados oficiais de justiça e atos executórios inúmeros.  De qualquer maneira, os novos dispositivos exigirão mais ainda dos advogados o máximo cuidado na elaboração da peça inicial e nos pedidos, e cuidadosos esclarecimentos ao trabalhador acerca dos riscos da demanda e dos custos potencialmente envolvidos.

Ao ensejo, entendemos que o dispositivo do parágrafo 3º, do artigo 844, acrescido pela nova lei, que impede o ajuizamento de nova ação caso não recolhidas custas de processo anterior,  é de uma inconstitucionalidade de saltar aos olhos (artigo 5º, XXXV CF).

  1. PETIÇÃO INICIAL

A peça de ingresso trabalhista sempre primou pela maior simplicidade, em um processo simples que sequer exige a presença do advogado, situação que se mantém depois da reforma, e que merece críticas uma vez que o “jus postulandi” na prática, com a reforma, tornou-se extremamente difícil.

Ora, o parágrafo primeiro do artigo 840 da nova lei exige pedido certo, determinado e com indicação do seu valor. Alguns defendem que tal significa que a inicial agora precisa ser liquida. Não pensamos assim. Não é razoável exigir que o trabalhador, que não tem acesso algum a documentos da empresa, liquide os pedidos para ajuizar a demanda. Pensamos que ao referir-se à especificação de valor, o novo dispositivo exige que seja colocado o valor aproximado, e que o pedido seja determinado em uma correlação lógica com o valor pedido. Tal valor não se confundirá com o valor da causa que tem outra natureza (na forma do artigo 319, IV, V, VI do CPC), e sobre o qual incidirão as custas e os honorários sucumbenciais.

Exigir que o trabalhador faça verdadeira liquidação, com cálculos específicos, sobre uma documentação à qual não tem acesso, e incidir custas e honorários sobre tais valores, é verdadeiro impedimento de acesso à justiça, tornando desproporcionais os riscos da demanda em um processo que visa prover obrigação de cunho alimentar. Na mesma toada, o entendimento diverso poderia ensejar uma enxurrada de ações exibitórias, o que viria em prejuízo mesmo do empregador,  que teria que colocar à disposição do trabalhador todos os documentos exigidos,  para que esse pudesse liquidar uma reclamatória trabalhista; isso sem contar as polêmicas e controvérsias que ocorreriam no curso da ação de exibição de documentos prevista nos artigos 396 a 404 do CPC caso a empresa se recusasse a apresentar determinado documento pedido pelo trabalhador.

Outro argumento pelo qual entendemos que a inicial não deverá ser líquida, é que o artigo 879, parágrafo segundo, continua mencionando que a conta deverá ser elaborada e tornada líquida, ou seja, se a liquidação deve ser feita logo na inicial, não haveria sentido em exigir a liquidação posterior.

  1. DEFESA, AUDIÊNCIA, PREPOSTO

Aqui residem também uma série de preocupações e polêmicas a serem equalizadas.

A lei operou, nesse campo, claramente a favor do empregador, tornando no mínimo equânime, mas cremos que até com vantagens para a parte patronal,  a relação processual,  em termos de apresentação de defesa e comparecimento em audiência.

Assim, a exigência anterior de que o preposto seja empregado da empresa, que já havia sido suprimida para empregadores domésticos e para pequenas e micro – empresas, a teor da Súmula 377 do TST, agora generalizou. O artigo 843 ganhou um parágrafo 3º com a clara determinação de que o preposto não precisa ser empregado da parte reclamada. Ora, nesse caso, a presença do preposto profissional, não empregado, poderá ocorrer. Questiona-se porque o juiz do trabalho ouviria um preposto profissional, talvez até formado em direito, com cursos específicos, e que repetiria os mesmos argumentos para toda empresa que o contratasse, decorando, por exemplo, a defesa?

Em varas do interior e cidades com menos empresas poderemos ter a estranha situação de um preposto que fique na vara, a postos, indo sempre prestar o depoimento para as empresas, diante do mesmo juiz que terá que ouvir a mesma pessoa todas as vezes em que tomar depoimento do preposto.

Ainda, esse preposto profissional não empregado, caso multado por faltar com a verdade, poderá continuar indefinidamente representando empresas diante do juízo?

Mas a lei colocou outras normas benéficas ao empregador na audiência. A partir de sua entrada em vigor da norma processual, conforme já ponderamos, tem-se que, ausente o representante da empresa, ainda assim o magistrado precisa aceitar a defesa e documentos. Ora, o artigo 765 da CLT autoriza o juiz a ouvir o preposto na audiência ou em qualquer momento do processo, sendo que, ausente o preposto, tal possibilidade fica anulada, mesmo assim, os termos da defesa precisarão ser levados em conta.

Por outro lado, a lei trouxe a cominação ao trabalhador ausente na audiência a imposição de custas (artigo 844, parágrafo 2º acrescido pela Lei).

Nessa seara, dada a hipossuficiência como regra, o princípio da economicidade  determina ao Estado que não pode haver gasto maior do que a receita a ser auferida na cobrança, não há qualquer sentido em movimentar a máquina estatal para cobrar custas irrisórias, sendo que hoje já existe um teto mínimo para a cobrança, salvo engano em 20.000 reais (portaria 75/2012 MF),  portanto, esse princípio deverá ser ponderado na execução de custas.

 Com relação ainda à ausência do preposto, a questão que se apresenta é: presente o autor, ausente o preposto do réu, o procurador do réu poderá ouvir o trabalhador e procurar obter a confissão?

No caso pensamos que não, eis que ausente o preposto, ao trabalhador ficou impossibilitada a confissão real.  Diante da nova lei, inclusive, ponderamos que a praxe de fazer uma audiência inicial, conciliatória e para apresentação defesa, tornou-se infrutífera e desnecessária, na medida em que não há obrigação de comparecimento de qualquer empregado da empresa e na medida em que o juiz terá mesmo assim que aceitar a defesa e documentos, que podem ser juntados até a audiência, ou seja, em qualquer momento posterior ao ajuizamento da demanda até a audiência, na forma do artigo 847, com o parágrafo único acrescido, ou seja, apresentada defesa e documentos antes da audiência, na audiência inicial poderá não comparecer nem o preposto nem seu advogado, o que impede os fins conciliatórios, inclusive, que eram um dos escopos da audiência inicial.

  1. MULTAS PARA AS TESTEMUNHAS

A CLT em vigor prevê que a testemunha será multada caso se ausente sem justificativa quando intimada pelo juízo, em valor hoje de um salário mínimo.  Em nossa experiência, tal multa dificilmente era aplicável para as testemunhas, ante a hipossuficiência evidente da esmagadora maioria das testemunhas, para evitar execuções infrutíferas e gastos para o Estado, contra o princípio da economicidade.

Pois a nova lei, ao transferir também para o texto da CLT as normas processuais civis já aplicáveis ao processo do trabalho por força do artigo 769 da CLT, previu expressamente multa para as testemunhas: aplica-se a multa prevista no artigo 793-C desta Consolidação à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa.

Ora, o texto enseja um subjetivismo na análise para aplicação da multa. Avaliar se houve “intenção” de alterar a verdade ou a omissão de fatos é tarefa complexa, e, por óbvio, a multa deverá ser aplicada mediante decisão fundamentada do magistrado. Nesse caso, a testemunha teria quais tipos de recursos? Pediria reconsideração? Utilizaria um mandado de segurança ou teria que recorrer ordinariamente ao Tribunal? Lembre-se que no caso o advogado do autor ou do réu não teria a princípio procuração para atuar em nome da testemunha, sequer para colocar “protestos” caso a testemunha fosse multada em audiência e na ata, caso em que, primeiro, a testemunha teria que aceitar a representação.

Ponderamos ainda outra hipótese um pouco mais complicada: a testemunha ajuíza ação na justiça federal, contra a União, para anular a multa imposta pelo Juiz do Trabalho. Questões de competência e questões recursais, sem falar nas dificuldades para avaliar a fundamentação do magistrado, quando ele mesmo impôs a multa entendendo que houve intenção de faltar com a verdade, serão comuns.

O caminho aqui é, pensamos, a prudência e a fundamentação objetiva, aplicando a multa apenas em casos nos quais a circunstâncias autorizadora da multa salte aos olhos.

CONCLUSÃO?

A forma de pergunta implica que nada há que concluir nesse momento embrionário de análise dos novos dispositivos, a não ser que teremos muito debate, trabalho hermenêutico e de construção jurídica pela frente.

São essas as primeiras ponderações, sujeitas às críticas, polêmicas e alterações.

A ideia não é impor verdades, muito menos capitanear interpretações, mas a de construir, juntamente com os colegas Juízes do Trabalho e demais operadores do direito, uma hermenêutica que possibilite a aplicação da nova legislação, mas que mantenha os princípios e objetivos da justiça social.