Novo desembargador do TRT-PR toma posse nesta sexta-feira (7)
Toma posse nesta sexta-feira, 7, às 17 horas, o novo desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca. Nomeado pelo presidente da República, passa a ocupar uma das cadeiras destinadas ao Ministério Público do Trabalho, antes ocupada pela desembargadora Wanda Santi Cardoso da Silva, aposentada em janeiro.
“A música é uma catarse importante”
Os ouvidos e os dedos são os olhos de Ricardo Fonseca, o primeiro juiz cego do Brasil, que vai atuar no TRT do Paraná
A partir de 7 de agosto, alguns processos trabalhistas do Paraná serão manuseados por um novo desembargador no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 9.ª Região. Não haveria nenhum fato notável nessas mãos novas dentro da magistratura, se a ponta dos dedos não estivessem grossas – calejadas do contato com as cordas de um violão e de um contrabaixo – e não fossem a segunda principal janela – depois da audição – de Ricardo Tadeu da Fonseca com o mundo exterior. Os ouvidos e os dedos são os dois olhos abertos do primeiro juiz cego do Brasil, que vai atuar em Curitiba. A visão foi perdida por uma retinopatia da prematuridade, uma deficiência na retina adquirida por ter nascido prematuro, com 6 meses.
Sentado em um sofá felpudo em casa, o magistrado demonstrou intimidade com a música e com o violão. Depois de posicionar o instrumento, as primeiras notas saíram sem esforço, acompanhas de uma voz suave: “Ando devagar porque já tive pressa / Levo esse sorriso porque já chorei demais…”. A música Tocando em Frente (Renato Teixeira/Almir Sater) poderia ser um resumo do espírito do juiz cantor. Porém pode chamá-lo também de cantor juiz, já que o violão foi o instrumento de trabalho do primeiro serviço remunerado: cantor de barzinho.
Fonseca saía todo fim de semana de São Paulo, onde morava, com um grupo de músicos e ia para Campinas, tocar nos bares da cidade os sucessos da MPB e do chorinho durante as noites de sábado e domingo. A música dava sustento financeiro, porém o motivo das viagens era mais nobre e atende por Suzana Maria Marques da Fonseca, atual mulher do desembargador, artista plástica e caloura do curso de Direito da Unibrasil. “Era o único jeito de eu ganhar dinheiro naquela época. Se não tivesse lugar para tocar, não tinha como vê-la”. Depois de um amigo em comum apresentar os dois, a ida a Campinas era uma necessidade do bolso e do coração.
Menina
A menina da cidade do interior foi mais importante do que imagina para Fonseca, então mais um estudante da Faculdade do Largo São Francisco (USP), em São Paulo. Os dois se conheceram quando ele tinha 22 anos e, no ano seguinte, veio o escuro aos olhos. Porém o carinho de Suzana e a voz dos colegas de faculdade não deixaram apagar a vontade pessoal de advogar. Ela foi o apoio pessoal, eles os apoios para estudar, já que Fonseca dependia das gravações de trechos de livros feitas pelos amigos de faculdade para se preparar para as provas orais aplicadas sobre direito constitucional, previdenciário, cível. Dá para imaginar o exercício de memória que o então estudante precisou desenvolver para citar artigos, parágrafos, incisos e toda a burocracia legal da legislação brasileira.
A boa memória serve também para guardar letras e notas musicais. Os acordes no violão dão hoje sustento emocional. O resultado daquele grupo de MPB que ia à Campinas nos fins de semana é um casamento de 26 anos e duas filhas. Uma delas, Maíra Marques da Fonseca, é formada em Direito. A mais nova, Iara Silva Marques da Fonseca, pretende fazer Moda. A música Tocando em Frente não surgiu à toa durante a entrevista. É uma das preferidas do eclético músico juiz, mas também tem valor sentimental. “Minha filha fez o discurso aos pais durante a formatura e usou a música para me homenagear.”
O sucesso de público que as cordas do violão não deram, veio com a carreira e a persistência. Depois de 25 anos de advocacia, 18 deles como procurador do Ministério Público do Trabalho, Ricardo Fonseca fez sucesso na Justiça. Será o primeiro magistrado a julgar os processos sem lê-los com olhos. A análise de cada página será feita com o ouvido, através da voz de um de seus oito assessores no gabinete de desembargador do TRT. Como perdeu a visão depois dos 23 anos, prefere a leitura em voz alta de livros e documentos. “Eu não aprendi braile. Os processos todos no Direito são em papel, então, para mim, naquela época, seria contraproducente”. O jeito de trabalhar funciona bem há mais de 20 anos. Além da indicação para o cargo de desembargador provar isso, Ricardo Fonseca dá aulas ainda em dois cursos de pós-graduação e, eventualmente ainda faz palestras. “Em dois ou três anos não haverá mais dificuldade já que todos os processos serão digitalizados e vou usar um programa de computador que lê em voz alta os processos.”
Lula
E a popularidade está em alta. Fonseca recebeu convite para encontrar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e concedeu inúmeras entrevistas. O sucesso pode ser medido no site de buscas Google. O nome de Ricardo Tadeu da Fonseca tem 261 mil referências, próximo do número de sites indicados sobre o cantor Almir Sater, por exemplo. E o telefone dele não para. Durante pouco mais de uma hora de reportagem, foram pelo menos três chamadas de felicitações pela conquista da cadeira de juiz do trabalho, mesmo depois de quase 15 dias da nomeação.
A casa da família é extremamente organizada, consequência da convivência com a falta da visão. Os objetos são dispostos de modo regular para que não atrapalhem a circulação do juiz. A disposição dos objetos e o piso sem surpresas para a livre circulação não são as únicas benesses de Fonseca em casa. Ele vira-se sozinho sem problema, mas com três mulheres em casa, sobram cuidados.
(Fonte: Gazeta do Povo; 26/07/2009)