19 de junho de 2009

Meio ambiente de trabalho inadequado motiva ações

Grande número de processos causados por ambientes hostis aos trabalhadores gera preocupação – e projeto – no Judiciário trabalhista

Em 1991, um trabalhador de Piên (a 80 quilômetros de Curitiba), perdeu parte de dois dedos enquanto cortava madeira em uma serra circular. Em 1993, em Guaíra (oeste do Paraná), um vigilante foi baleado enquanto trabalhava e perdeu o baço e um rim. Detalhe: não usava colete a prova de balas, equipamento que deve ser obrigatoriamente fornecido pelo empregador a trabalhadores da categoria. Em 2005, na capital paranaense, um vidraceiro, vestindo luvas de proteção inadequadas, teve seu antebraço perfurado por uma lâmina de vidro e até hoje carrega a marca do acidente. O que eles têm em comum? Foram vítimas de ambientes de trabalho hostis, desprovidos das adequadas condições de segurança. Por conta disso, todos tiveram suas reclamações acolhidas, neste ano, pelo Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), que fixou as devidas indenizações.

Situações como essas são mais comuns do que parecem. “Assombrantes dados estatísticos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam a morte de aproximadamente 2 milhões de pessoas por ano em todo o mundo, sendo que, só no Brasil, ocorrem mais de 300 mil acidentes de trabalho, dos quais aproximadamente 3 mil redundam em óbito do operário.”, afirma a desembargadora Rosemarie Diedrichs Pimpão, do TRT-PR.

Uma vez ocorrido o acidente ou a doença decorrente de um ambiente de trabalho inadequado, o caso acaba desembocando na Justiça trabalhista. “Praticamente todos os processos de reparação de danos de acidentes ou doenças do trabalho envolvem a temática do meio ambiente de trabalho, ou seja, são milhares ou milhões de processos”, diz o juiz do Trabalho Paulo Henrique Conti. Ele é o coordenador do projeto científico Criando um Ambiente de Trabalho Propício para as Presentes e Futuras Gerações, organizado pela Escola Judicial do TRT-PR e pela Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Ematra-PR).

Iniciado em abril deste ano, o projeto tem como objetivo discutir a necessidade de um ambiente de trabalho saudável, unindo o Direito do Trabalho ao Direito Ambiental, preservando os trabalhadores e evitando ações judiciais motivadas por más condições ambientais trabalhistas. Tudo gira em torno da ideia de sustentabilidade das empresas. “O interesse da empresa no valor estratégico de mercado não pode estar dissociado da preservação do meio ambiente de trabalho”, analisa a desembargadora Rosemarie Pimpão.

Mas o que é o meio ambiente do trabalho? Segundo Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado e professor de Direito Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, é comum a dificuldade de definição dessa espécie de meio ambiente. “O meio ambiente do trabalho é o conjunto de fatores, sejam eles físicos, climáticos ou outros ainda, que intervêm no local de trabalho da pessoa”, explica.

Com tamanha abrangência conceitual, são muitas as formas de afronta ao ambiente de trabalho perpetradas pelas empresas. “Descuido para com a segurança, desuso de equipamentos de proteção, falta de treinamento adequado para o trabalho e descuido para com os aspectos do clima na empresa (entre os empregados e a chefia, por exemplo) podem gerar demandas. Outro exemplo de inadequação do ambiente de trabalho é o excesso de jornada, o que pode causar pedido de indenização no caso de sobrevir doença profissional ou acidente de trabalho”, exemplifica o juiz Luciano Augusto de Toledo Coelho, da 1ª Vara do Trabalho (VT) de Araucária.

Normas

Algumas empresas poderiam evitar problemas trabalhistas se simplesmente conhecessem e pusessem em prática as Normas Regulamentadoras (NR) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Quem garante é a desembargadora Rosemarie Pimpão. “Essas NR traduzem fontes ricas de procedimentos a serem atendidos pelo empregador, que muitas vezes sequer conhece tais normas. Daí as consequentes condenações aos pagamentos ao empregado de adicional de insalubridade, dentre outros”, afirma. A NR nº 15, por exemplo, indica os limites de exposição dos trabalhadores aos mais diversos agentes, como ruído, calor e radiação. Entre outras determinações, ela estabelece que não é permitida a exposição a níveis de ruído contínuo acima de 115 decibéis para trabalhadores que não estejam adequadamente protegidos.

Além da observância das normas, a desembargadora sugere que os empregadores contratem seguros privados para acidentes de trabalho. Para ela, a seguradora serviria não apenas para garantir a efetividade da execução, mas também como fiscalizadora. “Teríamos, por meio da seguradora, uma fiscalização efetiva no ambiente de trabalho”, completa.


Aprofunde-se

Saiba mais sobre o meio ambiente do trabalho.

Palestra

Hoje ocorre o segundo dos seis encontros de 2009 do projeto Criando um Ambiente de Trabalho Propício para as Presentes e Futuras Gerações, do TRT-PR. A palestra de abertura tem início às 9h30, com o tema: “Os pontos de contato entre o direito ambiental geral e o direito ambiental do trabalho” – ministrada pelo professor e desembargador aposentado Vladimir Passos de Freitas, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O evento realiza-se no auditório da Escola Judicial – Rua Vicente Machado, 400. Essa parte da programação é aberta ao público. Informações: (41) 3232-3024.

Leitura

Foi lançada neste ano a obra Meio Ambiente Geral e Meio Ambiente do Trabalho: Uma Visão Sistêmica (Editora LTR). O livro é de autoria de Fabio de Assis Ferreira Fernandes, procurador do Ministério Público do Trabalho em São Paulo. A obra custa R$ 60 no site www.ltr.com.br.

Fórum

O Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR) promove o Fórum de Proteção ao Meio Ambiente do Trabalho do Estado do Paraná (FPMAT-PR), que envolve entidades de empregados e empregadores. As reuniões ocorrem mensalmente, geralmente na terceira quarta-feira do mês. Informações pelo fone (41) 3304-9000.

Número de processos vem aumentando

Uma pesquisa no sistema de busca de jurisprudência (decisões judiciais) online, no site do TRT-PR, com o termo “meio ambiente do trabalho”, indica a existência de sete decisões que citam o termo, em 2009 – de janeiro a maio. Em todo o ano de 2008, foram nove. Em 2007, apenas quatro. Em 2006, três; em 2005, duas; e em 2004, uma. Apesar de os números não serem absolutos, já que há um sem-número de processos que tratam da matéria, mas não a definem como “meio ambiente do trabalho”, eles podem servir para identificar o crescimento de casos levados à Justiça por motivos ambientais. “Doenças ocupacionais envolvendo cortadores de cana, ou a perda auditiva com origem em ruído, muitas vezes não são colocadas nos acórdãos (na fundamentação das decisões) como um problema de ‘meio ambiente de trabalho’, embora o sejam. De qualquer modo, é possível afirmar que há importante incremento de ações decorrentes da ausência de um meio ambiente seguro e saudável”, afirma o juiz Reginaldo Melhado, titular da 6ª VT de Londrina.

Precedente

Em decisão de 2004, a primeira com o termo “meio ambiente do trabalho” encontrada na pesquisa jurisprudencial, a desembargadora Ana Carolina Zaina explica que: “O direito ao meio ambiente do trabalho saudável é previsto na própria Constituição Federal de 1988 (artigo 225, V). O empregador que na sua atividade ordinária gera risco à saúde do trabalhador tem o dever de controlar e evitar o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida o meio ambiente do trabalho, ou seja, o próprio trabalhador. Todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, e à qualidade de vida, constituindo direito constitucionalmente assegurado ao trabalhador a redução dos riscos inerentes ao labor”.

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Serviço

Hoje ocorre o segundo encontro do projeto Criando um Ambiente de Trabalho Propício para as Presentes e Futuras Gerações. Informações no site www.trt9.jus.br

(Fonte: Gazeta do Povo; 19/06/2009)