CNJ discute proposta de restringir o uso de carros oficiais pelos juízes
Resolução em estudo no Conselho Nacional de Justiça prevê que apenas quatro dirigentes de cada tribunal teriam direito a veículo com motorista
Brasília – Dois anos após a decisão que acabou com o nepotismo no Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) debate em Brasília outro tabu entre os magistrados – o uso de carros oficiais nos tribunais. O órgão começou a julgar na semana passada uma proposta de resolução que restringe apenas aos dirigentes das cortes de segundo grau o privilégio de ter automóveis individuais com motorista. A criação de uma só norma para todo país é polêmica e volta à pauta do CNJ no próximo dia 16.
O autor da proposta é o conselheiro Paulo Lôbo, o mesmo que em 2005 propôs o fim do nepotismo. “Não se pode dizer que haja a mesma magnitude no caso dos carros, mas o fundamento ético é igual ao aplicado contra a contratação de parentes”, diz Lôbo, que é advogado. Ele ressalta que o uso indiscriminado de automóveis oficiais fere o artigo 37 da Constituição, que estipula os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência na administração pública.
Atualmente, cada tribunal tem autonomia para definir como distribuir os carros. Muitas vezes eles acabam sendo utilizados para afazeres pessoais de alguns juízes. “Recursos públicos devem ser usados com austeridade. Quem quer ter suas mordomias e confortos, que vá para a iniciativa privada”, afirma Lôbo.
A sugestão dele é deixar claro quem tem direito aos automóveis de representação (esses sim, individuais) e quem deve usar os carros de serviço dos tribunais (comunitários). A idéia é que apenas quatro juízes por corte possam usar os automóveis de representação – presidente, vice-presidente, corregedor-geral e diretor da escola da magistratura. A decisão abrangeria os Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais, Tribunais Regionais Federais e as auditorias militares dos estados, o que totaliza cerca de 90 órgãos.
Lôbo explica que a mudança é uma questão de respeito às relações republicanas. “A resistência de alguns está assentada na cultura tradicional de confusão entre público e privado.” Ele também destaca que há uma discrepância no modo como alguns tribunais gastam dinheiro. O advogado conta que há comarcas com dificuldades de comprar material de escritório, enquanto outras dão preferência à aquisição de carros de luxo. Lôbo cita que a Lei de Responsabilidade Fiscal apertou o orçamento dos tribunais. “Se o dinheiro é curto, por que a prioridade em alguns lugares é a compra de automóveis luxuosos?”
A proposta do advogado, entretanto, está distante da unanimidade. Parceira do CNJ na luta contra o nepotismo, a Associação dos Juízes Federais recusa-se a apoiá-la. Em contrapartida, há o suporte da Associação dos Magistrados do Brasil e da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho.
As divergências também são claras dentro do conselho. Apresentada há dois meses, a matéria tem como relator o conselheiro Antonio Umberto de Souza Júnior, que é juiz do Trabalho. O voto dele, proferido na terça-feira passada, altera vários pontos da proposta de Lôbo.
O magistrado defende que o CNJ não faça uma resolução sobre o assunto, que precisa obrigatoriamente ser cumprida por todo o Judiciário. Ele entende que o melhor caminho é uma recomendação, o que preservaria a autonomia dos tribunais. “Pedi um levantamento nacional sobre o assunto e não percebi qualquer situação abusiva que merecesse ação do conselho.”
Antonio Umberto conta que não tem a “ingenuidade” de sustentar que todos os tribunais estão imunes a irregularidades, mas cita casos que comprovam austeridade. O Tribunal Regional do Trabalho de Rondônia, por exemplo, tem apenas um automóvel utilizado em sistema de rodízio por oito desembargadores. Segundo ele, o uso de carros está amparado por uma lei de 1950, regulamentada recentemente por decreto pelo presidente Lula.
O conselheiro também não enxerga ligação dessa situação com o nepotismo, conforme prega Lôbo. “No caso dos automóveis, posso até entrar na seara da gestão do dinheiro público, mas isso quem define são os tribunais. Daí a dizer que isso é um ilícito, como é o nepotismo, é outra coisa.”
Após o magistrado apresentar o voto, a sessão da última terça foi interrompida por um pedido de vista do conselheiro José Adonis Callou de Araújo, que é procurador da República. A sessão será retomada 14 dias depois e ainda faltam os votos de mais 14 membros do CNJ. Tanto Lôbo quanto Antonio Umberto não arriscaram palpites sobre qual tese sairá vencedora.
No Paraná, o TJ vem promovendo redução paulatina da frota
Tribunal de Alçada – e outros 14 colegas propuseram que o uso individual de carros ficasse restrito aos diretores do TJ-PR. “Implicaria uma redução de 50 para 10 carros, que seriam destinados apenas para quem tem função diretiva e magistrados auxiliares”, explica Ressel.
Ele destaca, porém, que havia outro problema grave – todos os carros utilizados pelo tribunal tinham placas de carros particulares. De acordo com o artigo 116 do Código Brasileiro de Trânsito, porém, eles precisam obrigatoriamente ter placas oficiais. “O uso de placas particulares é limitado para situações de investigação sigilosa, o que não era o nosso caso.”
O problema, segundo Ressel, foi resolvido na mesma sessão que regulamentou a “aposentadoria” dos carros individuais. A decisão do órgão especial do TJ-PR, porém, não agradou a todos.
No segundo semestre de 2007, outro desembargador originário do Tribunal de Alçada, Antenor Demeterco Júnior, recorreu ao CNJ para que todos os magistrados do TJ-PR tivessem direito ao benefício. O Procedimento de Controle Administrativo número 100000 15867-2008 foi julgado improcedente em março deste ano.
O relator do processo foi o conselheiro Antonio Umberto Souza Júnior, o mesmo que relatou a proposta que pede a regulamentação nacional do assunto, do advogado Paulo Lôbo. “O critério de antigüidade usado no TJ-PR é objetivo. Não poderíamos desconstituir essa norma, ir contra a autonomia do tribunal”, explica Antonio Umberto.
Desembargador diz que veículo é questão de segurança
Os dois candidatos à presidência do Tribunal de Justiça do Paraná, os desembargadores Celso Rótoli de Macedo e Carlos Augusto Hoffmann, afirmam que acatarão, caso sejam eleitos, a decisão que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) venha a adotar sobre a limitação ao uso de automóveis oficiais pelos membros do Judiciário. A eleição no TJ-PR será na próxima segunda-feira e o vencedor comandará o Tribunal por dois anos.
Para Rótoli de Macedo, o que o CNJ definir valerá para o Judiciário paranaense. Porém, ele afirma que essa discussão não deve ser feita pura e simplesmente sob a ótica de o carro ser ou não uma mordomia. “O assunto deve ser melhor examinado e mais debatido. É uma questão, para mim, de segurança. Se alguém fica insatisfeito com uma atitude minha enquanto desembargador, por exemplo, e quiser fazer algo contra mim, se souber que estou em um carro oficial, com rádio e motorista preparado, pensará duas vezes.”
Rótoli diz ainda que propõe, caso seja eleito, criar uma central de veículos no TJ-PR. “O carro poderá pegar e levar o desembargador ao tribunal.” Nesse caso, não ficaria à disposição do magistrado.
Discussão estéril
Já Carlos Hoffmann, procurado pela reportagem, não quis se aprofundar no tema. Ela afirmou que, como o que valerá será a decisão do CNJ, não cabe agora posições pessoais nem discussões estéreis a respeito do assunto.
(Fonte: Gazeta do Povo; 08/12/09)