Presidente da Amatra IX fala sobre a quarentena imposta a juízes que se aposentam
A decisão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de estender a todo o escritório a quarentena de três anos imposta a juízes que se aposentam e passam a advogar dividiu magistrados e advogados. Para a OAB, é uma questão ética e constitucional que ninguém da banca que contrata um ex-juiz advogue na jurisdição em que ele atuava. Para os juízes, trata-se de uma decisão draconiana de reserva de mercado.
A proibição não inclui pareceres ou consultorias, explica o presidente nacional da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho. Segundo ele, a restrição é colocada aos escritórios que contratam juízes pois “o ex-magistrado se torna beneficiário de todas as vantagens auferidas por aquele escritório, uma vez que os dividendos são divididos entre os sócios”.
O resultado prático do posicionamento da OAB é o desemprego dos juízes por três anos depois de se afastarem da magistratura, sentencia o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), desembargador federal Nino Toldo. Isso não parece ser um problema para a Ordem, pois, no próprio acórdão da decisão, relatada pelo conselheiro federal Duilio Piato Junior, consta que “o ideal seria se declarar o impedimento desse magistrado em quarentena, que não precisa da profissão para sobreviver”.
“Se eles acham que um escritório que admite juiz fica impedido de atuar, o mesmo deveria se aplicar ao quinto constitucional. Então, o escritório do qual um advogado saísse para entrar pelo quinto deveria ficar impedido de atuar naquele tribunal”, sugere o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), desembargador Nelson Calandra.
A condição de impedimento está calcada em discriminação, diz Calandra, “e o preconceito é sempre um mau conselheiro”, completa. Para o desembargador, é extremamente injusto que 100 ou 200 advogados de um escritório tenham seu direito ao livre exercício da profissão cerceado por um impedimento que vem da condição pessoal de um colega que um dia foi juiz.
A decisão do Conselho Federal foi motivada por reserva de mercado, nas palavras do presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Paulo Schmidt. “Na nossa avaliação, isso mostra que, mais uma vez, a Ordem atual deixa saudades da antiga e gloriosa Ordem dos Advogados do Brasil, que se pautava por algo maior do que esse viés simplesmente corporativo”, dispara.
Furtado Coêlho nega que o Conselho Federal tenha tomado a decisão por reserva de mercado, pois o número de magistrados que voltam a advogar é ínfimo em relação ao número de advogados registrados na OAB. “Não há nenhum preconceito contra juízes. Nós incentivamos que eles voltem a exercer a advocacia, mas o Plenário do Conselho Federal decidiu que essa é a melhor forma de aplicar a Constituição”, pontua.
O presidente da Anamatra avalia que a decisão é “draconiana” e foi tomada ao arrepio da Constituição, que prevê a vedação da atuação pessoal do juiz. Os juízes do Trabalho têm enfrentado já diversos problemas por conta da vedação, lembra Schmidt. Isso porque seccionais da OAB têm considerado que a vedação de um juiz de Trabalho em 1º grau o impede de advogar em toda a Justiça do Trabalho da região em que atuava.
A Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Amatra IX) entrou recentemente com Mandado de Segurança para garantir que uma juíza aposentada fosse impedida de advogar apenas na jurisdição em que trabalhava. “A OAB aceitou sua inscrição com restrição no estado todo, mas, pela Constituição, o justo seria que ela não advogasse em Foz do Iguaçu, onde julgava”, diz Fabrício Nogueira, presidente da Amatra IX. No cálculo, um ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho não poderia atuar em nenhuma corte trabalhista — e pela regra nova da OAB, nenhum de seus colegas de escritório poderia fazê-lo.
Outros Mandados de Segurança já são planejados pela Amatra IX, mas as associações nacionais, como AMB, Ajufe e Anamatra, ainda não cogitam a atuação semelhante imediatamente. Para Nelson Calandra, o mais provável é que os próprios escritórios que empregam juízes aposentados entrem na Justiça contra a medida.
Divergência na classe
A probabilidade de ver escritórios entrando contra a medida é alta, pois mesmo a classe representada pela OAB está dividida sobre a medida. Na visão de Guilherme Braga, sócio da banca Braga Martins Advogados, a restrição “prejudica o ofício tanto do advogado quanto do ex-magistrado ao qual ele queira se associar”. Para ele, a OAB parte do pressuposto errôneo de que haveria promiscuidade em qualquer relação entre colegas do magistrado e o tribunal que ele integrou.
Já o tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, afirma que a regra é correta “e deveria aplicar-se, sem retroação, a todos os casos de impedimento, como o de julgadores de tribunais administrativos e de juízes de tribunais eleitorais”.
O advogado Ernesto Tzirulnik também é favorável a estender a quarentena a todos os advogados do escritório, para quem se trata apenas de uma tentativa de tornar eficaz a norma constitucional. Assim como Santiago, Tzirulnik lamenta que a vedação não valha para outras funções públicas que, segundo ele, “podem comprometer a isonomia e o bom funcionamento das relações entre cidadãos e Estado”. Como exemplos, ele cita o chefe da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e o presidente do Banco Central, que podem, “e comumente o fazem”, ir à iniciativa privada no dia seguinte ao que deixam seus cargos.
Os problemas apontados pelos magistrados são minimizados por Paulo Barcellos, sócio do Rocha e Barcellos Advogados, para quem, nas suas especialidades, os juízes também podem, se regularmente habilitados, “ministrar aulas em universidades, cursos preparatórios, escrever artigos técnicos, livros, bem como exercer qualquer outra atividade para a qual eventualmente tenha aptidão”.
Caio Lucio Montano Brutton, sócio do Fragata e Antunes Advogados, diz que a decisão merece aplausos, pois não impede o exercício da profissão, mas tem como fim evitar o tráfico de influência e o indevido trânsito entre os setores públicos e privados. Ao ampliar as restrições, a OAB está, segundo ele, evitando os “efeitos facilitadores, derivados do prestígio e influência que supostamente o indivíduo possa ter junto aos órgãos judiciais em que anteriormente laborou”.
Carlos Miguel Aidar, do Aidar SBZ, porém, diz que o reflexo da decisão da Ordem nos grandes escritórios será desmedido e descabido. Sua banca tem 110 advogados e, atualmente, nenhum egresso da magistratura, mas ele se espanta ao notar que, se houvesse apenas um ex-juiz, todo o escritório estaria com impedimento. “Ter sido juiz há de ser dignificante, e não um mal a ser combatido”, afirma.
O advogado Ulisses César Martins de Souza lembra que o Conselho Federal já havia apreciado a matéria, em 2006, e tomado decisão diametralmente oposta. Na ocasião a OAB entendeu que “o sistema de limitação de exercício profissional veiculado no Estatuto da Advocacia e da OAB rege-se pelo principio da condição individual do advogado, decorrente de sua vinculação funcional a órgãos públicos de diversas naturezas”, concluindo que “o impedimento do advogado-sócio não se estende aos demais sócios, associados ou profissionais empregados, cabendo aos órgãos de controle e fiscalização da OAB velar pela inocorrência de fraude que vise a burlar as normas limitadoras do exercício profissional”.
Essa decisão foi tomada no julgamento da proposição 41/2005. A matéria efetivamente é complexa e leva a intensos questionamentos sobre o assunto, diz Souza. “Contudo, é difícil concluir pela validade do entendimento de estender-se a todos os integrantes da sociedade os efeitos decorrentes do impedimento de um deles”, completa.
*Texto alterado às 10h do dia 5 de setembro de 2013 para acréscimo.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 4 de setembro de 2013