AI-5 quarenta anos depois: memória do passado na construção do futuro
Neste sábado, 13 de dezembro, a decretação do Ato Institucional nº 5 completa 40 anos. Baixado pelos militares no paroxismo da ditadura, o AI-5 ainda nos infunde no espírito vergonha e indignação. O regime experimentava em 1968 um momento de debilidade e hesitação e optou pela via do recrudescimento. O AI-5 fechou o Congresso e autorizou os militares a legislar em seu lugar. Também facultou a intervenção em Estados e Municípios, a suspensão de direitos políticos e a cassação de mandatos eletivos e de dirigentes sindicais, proibindo a manifestação do pensamento. Foram suspensas as garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, pedra de toque da independência do Poder Judiciário e últimos estertores de algum vestígio do Estado de Direito derruído. O general de plantão na “presidência” da República era autorizado a demitir, remover ou aposentar servidores civis e militares ou empregados de autarquias, empresas estatais. O habeas corpus foi extinto para crimes políticos ou delitos contra a “segurança nacional” e a ordem econômica e social. O País foi mergulhado numa longa e pavorosa noite escura. O AI-5 surgiu como uma espécie de senha para tortura e o assassinato, crimes imprescritíveis praticados por agentes do Estado que ainda hoje deveriam ser processados e condenados, mas seguem impunes na sua empáfia.
Ao contrário do temor ao holocausto nuclear, tão presente nos temos da guerra fria dos tempos do AI-5, hoje vivemos o fantasma da destruição lenta e progressiva do planeta. De um lado, os desequilíbrios do meio-ambiente e o rugido da natureza acuada e ferida; de outro, as condições de vida cada vez mais degradantes da nova (des)ordem global. Duas faces de uma mesma moeda. O desrespeito ao homem é também insubmissão às leis da natureza. O fosso entre os países do centro e os da periferia convola-se em abismo. Milhões de serem humanos apodrecem sob os escombros de epidemias, guerras étnicas e fratricidas, miséria e analfabetismo, ao mesmo tempo em que a ficção científica da nossa infância surge-nos diante dos olhos como obsolescência frente ao frenético avanço da ciência high-tech dos dias de hoje O grande capital regozija-se, destrói fronteiras estatais e culturais e monopoliza mercados inteiros na frenética jactância da sua onipotência, de sua formidável ubiqüidade galáctica. Em nome de certa “democracia”, interesses econômicos, hoje, derramam sangue inocente por sobre campos de óleo no Oriente Médio. Ontem, esses mesmos interesses, em nome dessa mesma “democracia”, idealizaram e promoveram golpes militares em toda a América Latina. Seus partidos agora têm outros títulos e seus acólitos, ocultos sob o manto jurídico da prescrição, um estilo mais refinado. Mas são eles, e nós o sabemos.
O dia 13 de dezembro deveria ser o Dia Nacional em Memória das Vítimas da Ditadura. É preciso conhecer e lembrar a tragédia do passado para expiar o risco de refazer um dia o mesmo caminho, no futuro. Mostrar aos nossos filhos até onde podem chegar a intolerância humana e a estupidez dos interesses de classe de cada momento histórico. Com os erros dos dias de ontem aprende-se a cultivar os verdadeiros valores da democracia, que entre nós já floresceu, em parte, no plano da política e do Estado, mas ainda não foi apresentada a grande parte dos brasileiros na sua dimensão econômica e social.
Reginaldo Melhado é Doutor em Filosofia do Direito pela Universidade de Barcelona/Usp, professor da Uel e Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Londrina (melhado@sercomtel.com.br).