18 de junho de 2009

Um debate inoportuno

A rejeição ao aumento da idade para aposentadoria compulsória é bandeira histórica das entidades que representam a magistratura

Luciano Athayde Chaves
Nos últimos anos, tem havido uma forte demanda para que o Congresso Nacional altere o texto da Constituição de forma a ampliar para 75 anos a idade limite para permanência no serviço público. É a chamada aposentadoria compulsória. Trata-se de pleito de alguns segmentos da magistratura, dos tribunais de contas e de outros poucos setores que apenas invocam a tese da maior expectativa de vida, fato que, apesar de verossímil, não nos parece suficiente para orientar esse debate. A luta pela rejeição ao aumento da idade para aposentadoria compulsória é bandeira histórica das entidades de classe que representam a magistratura brasileira, esforço atualmente centrado na proposta de emenda constitucional nº 457, de 2005, que teria imediata eficácia em relação aos ministros do Supremo Tribunal Federal e de tribunais superiores.

A proposta, além de engessar a carreira, subtraindo legítima perspectiva do conjunto dos magistrados que atuam nas diversas instâncias, traz ainda a possibilidade de estagnação administrativa do Poder Judiciário. Esse é um ponto fundamental, ainda mais quando se exige maior aperfeiçoamento das técnicas de gestão nas rotinas judiciárias. A longa permanência de magistrados nos tribunais é aspecto que pode obstaculizar o progresso na eficiência administrativa que costuma suceder nas instituições republicanas, que repousam na ideia de renovação de quadros dirigentes.

Quanto a esse aspecto, podemos ressaltar o risco da não oxigenação da jurisprudência. A PEC 457, caso aprovada, frustrará o verdadeiro interesse público que deveria nortear o exame da matéria: a necessária atualização da interpretação da ordem jurídica pelos tribunais, que é de regra proporcionada com a renovação de seus quadros.
Como exemplo dessas indesejáveis estagnações, observemos o que poderia acontecer nos tribunais superiores. Com a compulsória aos 75 anos, alguns ministros do Supremo, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho ocupariam cargos decisivos e importantes do Judiciário durante mais de 30 anos. E a situação não seria diferente nos tribunais de segunda instância.

Em princípio, parece lógico o argumento de que o prolongamento do período de atividade dos magistrados traria menor custo ao sistema previdenciário, uma vez que retardaria a passagem do juiz para a inatividade. Todavia, pelo menos na magistratura, poderá acontecer exatamente o inverso: o aumento das aposentadorias voluntárias daqueles que já integraram os requisitos legais. Isso porque haverá relevante desestímulo à permanência na carreira diante do distanciamento da possibilidade de ascensão aos cargos de grau superior. É dizer: ao tentar assegurar a maior permanência, a proposta pode estimular maior saída de quadros da magistratura, cujas aposentadorias
voluntárias permitiriam aos magistrados trilhar outros caminhos, galgar por outras profissões.

Esse desestímulo, portanto, poderia facilmente solapar o conceito de carreira na magistratura, fomentando até mesmo o arrefecimento da opção de bons profissionais pela vocação judicante. Logo, não se trata de uma discussão polarizada entre setores mais antigos e porções mais modernas da magistratura e de outras carreiras. Cuida-se, ao revés, de um debate mais complexo, que deve ser orientado pela busca de melhores níveis na qualidade de gestão e de prestação das atividades próprias de cada instituição, e não pela busca, embora legítima, de maior permanência em determinados cargos públicos.

O aumento da expectativa de vida -fenômeno que é estatístico e atuarial não pode ser tomado, pois, de forma isolada, desprezando as características de cada uma das carreiras, bem como subestimando os fatores que atuam diretamente como bloqueio na construção de um serviço público de qualidade. Ademais, não podemos esquecer que a ideia de expansão do limite compulsório de atividade no serviço público pode, mais adiante, ser acoplada a novas regras de aposentadoria, elevando o tempo de contribuição exigido. Nessas condições, podemos atingir a arriscada situação de exigir trabalho até os últimos momentos de vida, transformando os membros economicamente ativos da sociedade em seres que, parafraseando Dietmar Kamper, vivem para trabalhar, e não trabalham para viver.

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Luciano Athayde Chaves, 37, juiz do trabalho, é presidente da Anamatra
(Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).


(Fonte: Folha de São Paulo, 17/06/2009)