22 de maio de 2014

Os efeitos nocivos da subcontratação de trabalhadores – Felipe Calvet

A subcontratação de trabalhadores, conhecida vulgarmente como “terceirização”, sempre mostrou-se nociva ao progresso das condições sociais dos trabalhadores, diminuindo-lhes direitos e, muitas vezes, deixando-os até mesmo sem o pagamento do salário do mês.

O Projeto de Lei 4.330/2004, que está em trâmite na Câmara dos Deputados, tem por objetivo legalizar a subcontratação de trabalhadores em todas as áreas, por todas as empresas.

Em verdade, essa subcontratação retira a relação entre empregado e empregador, classicamente prevista na CLT, e traz um intermediário, que é a empresa que tem por objeto “vender” a mão de obra de trabalhadores para outras empresas. Assim, com eventual aprovação dessa lei, por exemplo, poderemos ter todas as pessoas trabalhando em um banco sem que sejam empregados deste, mas de uma empresa “terceirizada”. Ou seja, empresas sem empregados. Aliás, algo que não é de todo incomum atualmente é a própria empresa que “terceiriza” a mão de obra contratar outra empresa para “quarteirizar” a mão de obra.

Nas hipóteses que a lei já prevê possibilidade de subcontratação, como no caso de trabalho temporário, conforme Lei 6.019/1974, que possibilita a contratação de empregados através de uma terceira empresa para os casos de necessidade de mão de obra para fazer frente à alta demanda ou substituir, temporariamente, empregado afastado, já se vê no foro trabalhista inúmeras fraudes. É absolutamente comum a utilização desta lei, a 6.019/1974 (a qual é absolutamente dispensável, pois a CLT já prevê esse tipo de contratação pelo próprio empregador, conforme artigo 443, § 3º da CLT), com instrumento de fraude de direitos trabalhistas, em que empresas a utilizam para fazer períodos de experiência com os empregados.

O novel projeto 4.330/2004, em seu artigo 9º, traz que a empresa contratante “pode” estender direitos assegurados aos seus empregados diretamente contratados aos empregados da subcontratada que lhe presta serviços. Ora, é absolutamente inverossímil imaginar que uma empresa vá contratar outra para manter ou até mesmo aumentar seus custos. Vejam bem, acaso a empresa que contrata a empresa terceirizada mantenha os mesmos direitos, salários e vantagens assegurados para os seus próprios empregados, certamente ainda terá que arcar com um valor a título de lucro da empresa que subcontrata esses trabalhadores. Ou seja, terá um custo maior essa forma de contratação. Agora, conforme prevê o artigo acima citado, os empregados da subcontratada que presta serviços para a beneficiária final da força da mão de obra do empregado certamente terão menos direitos assegurados, inclusive com salário inferior, conforme previsão do nefasto projeto de lei.

Assim, em um primeiro momento teríamos, possivelmente, trabalhadores laborando lado a lado, com iguais atribuições e carga de trabalho, com salários e direitos diversos, sendo que os “terceirizados” ou, quem sabe, os “quarteirizados”, em condições muito mais precárias que os trabalhadores contratados diretamente pelo beneficiário final dos serviços. Em uma segunda fase, todos os empregados da empresa tomadora do serviço serão subcontratados, com salários e direitos muito inferiores ao que era pago e disponibilizado para os que eram contratados diretamente. Ainda, não é impossível de se imaginar, como ocorreu com a inserção do parágrafo único do artigo 442 da CLT, em 1994 (em relação aos cooperados), que todos os empregados de determinadas empresas sejam dispensados em um dia pelo seu empregador e, no outro dia, voltem ao mesmo local de trabalho, desenvolver a mesma atividade, mas agora sob a pecha de “terceirizados”, com outro empregador anotado na sua CTPS, com salário inferior e direitos diminuídos. Também, em razão do temor da perda do emprego, porque afinal quem continuará exercendo o poder de mando em relação ao empregado é o tomador dos serviços, seu antigo empregador formal, que poderá ser demandado na Justiça do Trabalho. A outra parte, o empregado, agora subcontratado, certamente perderá seu posto de trabalho. Não fazendo sua reclamação por meio de ação judicial no Poder Judiciário, para a qual tem prazo de dois anos, todos os direitos podem ser prescritos, conforme artigo 7º da Constituição Federal.

Deste modo, parece que o projeto de terceirização é de grande interesse de parte da classe patronal, porquanto, com a “liberação geral” para subcontratar empregados, em um primeiro momento, diminuirá substancialmente os gastos com seus empregados, com igual diminuição de direitos dos trabalhadores, autorizada pela lei, e em um segundo momento será menos demandado na Justiça do Trabalho, em razão da prescrição que atingirá os direitos dos trabalhadores que lhe prestam serviços, agora através da empresa subcontratada, mas que há mais de dois anos faziam a mesma coisa, no mesmo local de trabalho, para o mesmo empregador, no entanto, agora, com apenas uma fração de direitos. E o pior, tudo dentro da lei!

Felipe Augusto de Magalhães Calvet, juiz do Trabalho,  diretor de Relações Externas e Imprensa da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná, coordenador e professor do Curso Preparatório da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Ematra-PR).