14 de janeiro de 2014

Extensão de quarentena de magistrados cria divergência entre tribunais

Decisão de Joaquim Barbosa impede que escritórios atuem na jurisdição de ex-juízes que façam parte da sociedade de advogados. Mas tribunais têm afastado esse entendimento

10/01/2014 | 00:06 | Joana Neitsch e Denise Paro, da sucursal

 

Assim como muitos advogados prestam concurso para a magistratura, diversos juízes retornam para a advocacia ao encerrarem suas carreiras. Contudo a quarentena prevista na Constituição Federal impede que os magistrados atuem no juízo ou tribunal em que julgavam por um período mínimo de três anos. Recentemente, uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, estendeu essa restrição aos escritórios de advocacia em que os ex-juízes atuam. Por outro lado, no Paraná uma decisão judicial limitou a área de atuação à qual se aplicaria a quarentena para uma ex-magistrada do Tribunal Regional do Trabalho do estado (TRT-PR).

Essa discussão teve início em setembro de 2013, quando, após uma consulta da seccional de Roraima, o Conselho Federal da OAB decidiu por unanimidade que a quarentena se estende ao escritório do qual o ex-magistrado seja sócio, associado ou funcionário. Em seu voto, o conselheiro Duilio Piato Junior disse que a medida tem como objetivo “preservar a imagem do Judiciário e evitar o tráfico de influência e exploração de prestígio”.

Logo em seguida, liminares judiciais contrárias ao entendimento da Ordem foram concedidas e mantidas pelos Tribunais Regionais Federais da 1.ª e da 3.ª regiões. O argumento utilizado é o da manutenção da liberdade do exercício da profissão, também prevista no texto constitucional, no artigo 5.º, inciso XIII. Em outubro o ministro Joaquim Barbosa derrubou essas liminares, argumentando que o livre exercício profissional não é adequado à questão, já que o magistrado em quarentena recebe proventos e está apto a advogar em outros órgãos que não estejam na jurisdição em que ele julgava anteriormente.

No dia 10 de dezembro, o juiz federal Mauricio Kato, da 21.ª Vara Federal Cível de São Paulo, considerou sem efeito a decisão de Barbosa e, ao julgar o mérito da questão, deferiu o mandado de segurança contra o Conselho Federal da OAB e a seccional de São Paulo, impetrado pelo escritório Kuntz Sociedade de Advogados. “Estender a terceiros a vedação ao livre exercício da profissão de advogado, por meio de mera deliberação corporativa, viola flagrantemente os princípios da legalidade fazendo lembrar os atos de força do regime de exceção que a OAB, noutros tempos, tão duramente combatia”, declarou Kato em sua decisão, dizendo também que a Ordem viola o princípio da razoabilidade.

Inconstitucional

O vice-presidente da Asso­­­­ci­­ação dos Juízes Fede­­rais (Ajufe), o juiz federal de Belo Horizonte, Ivanir César Ireno, explica que a entidade é contra a normativa da OAB porque um ato da instituição passa a ter mais força do que a Constituição. “A decisão da OAB vai além da proibição da Constituição, ou seja, um ato administrativo proibindo mais que a Constituição. Para nós, isso é inconstitucional e indevido porque ela estende a proibição a terceiros que são os sócios do escritório”, argumenta o juiz.

Para o advogado e professor de Direito Processual Ci­­vil da UFPR, Manoel Cae­­ta­­no Ferreira Filho, a decisão da Ordem foi além da Cons­­tituição Federal em dois aspectos: “Mandou aplicar a quem a Constituição diz que não aplica, aos associados, e interpretou além do que a Constituição proíbe”.

O professor de direito cons­­titucional do mestrado do UniCuritiba Fernando Knoerr considera que, ao optar por uma das carreiras do direito, o profissional deve aceitar não apenas as prerrogativas, mas também as limitações. Na opinião dele a quarentena deve ser estendida apenas aos escritórios dos quais os ex-juízes sejam sócios e deve valer da data da decisão da OAB em diante e não para as sociedades que tiveram início anteriormente.

Limite para atuar também desperta dúvidas

Os limites geográficos da quarentena também despertam dúvidas e polêmicas. Para conseguir atuar na Justiça do Trabalho do Paraná, a advogada Neide Consolata Folador precisou impetrar um mandado de segurança. Ela havia sido juíza na 2.ª Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu até agosto de 2011. Após se aposentar, solicitou inscrição à OAB-SC para atuar como advogada em Santa Catarina e, à seccional do Paraná, requisitou inscrição complementar. O pedido foi deferido pela OAB-PR, com restrição para atuar no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

No mandado de segurança, a juíza Sílvia Regina Salau Brollo assegurou a Neide o direito de advogar no âmbito do TRT-9, com restrição apenas à 2.ª Vara de Foz do Iguaçu. “Eu sabia que haveria a restrição porque está na Constituição, a questão era discutir a extensão. A OAB tem dado diferentes interpretações nas seccionais. Não há matéria padronizada” diz a ex-juíza.

O vice-presidente da seccional da OAB no Paraná, Cássio Telles, diz que a decisão não tem precedentes e torna a quarentena inócua. “A independência passa não só pela vara, mas pelo tribunal. Se prevalecer esse entendimento de quarentena só para a última unidade [em que o magistrado atuou], vai ser muito fácil burlar a Constituição. Esse entendimento torna letra morta a quarentena e a reduz a algo pontual, sem qualquer função.”

O professor de Direito Constitucional do UniCu­­ritiba Fernando Knoerr considera que, mesmo após se aposentar, o magistrado mantém o contato com outros juízes, o que o coloca em uma posição diferente da de outros advogados e causa quebra de isonomia. “Isso pode comprometer a igualdade entre as partes”, observa Knoerr.

Neide admite que conhece praticamente todos os juí­zes do Trabalho do Paraná, mas argumenta que “não se pode partir do pressuposto de que a pessoa vai se valer disso a seu favor”.

O OAB informou que vai recorrer da sentença.

(Fonte: Gazeta do Povo/ Justiça & Direito – 10/01/2014)