4 de agosto de 2017

Opinião: O “Dilema do Bonde” e a Reforma Trabalhista

O “DILEMA DO BONDE” E A REFORMA TRABALHISTA

CASSIO COLOMBO FILHO[i]

No ensino jurídico, precisamente na disciplina “Filosofia do Direito”, para discutir questões relacionadas à “ética” e “moral”, alguns professores trabalham com os alunos o chamado “dilema do bonde”.

Trata-se de um experimento de pensamento, idealizado pela filósofa inglesa PHILIPPA FOOT (Oxford), posteriormente analisado por JUDITH JARVIS THOMSON (Yale) e, mais recentemente por PETER UNGER (Oxford) e MICHAEL SANDEL (Harvard).

Em síntese, eis a questão: um bonde desgovernado dirige-se em direção a cinco trabalhadores que reparam os trilhos, e cujo impacto resultará em suas mortes. O espectador percebe tal situação e está num ponto no qual há um dispositivo de desvio de trilhos. Se operá-lo desvia o bonde para outro trilho, onde atua apenas um trabalhador, que também será morto. O que fazer? Desviar o bonde ou não?

A análise de tal problema e as propostas de solução envolvem discussões sobre ética, consequencialismo, utilitarismo, deontologia, virtude, etc., o que não é o objetivo deste ensaio, que apenas parte de um problema conhecido para analisar as consequências da tragédia sobre a ótica das diretrizes de responsabilidade civil – danos extrapatrimoniais, à luz das novas disposições legais impostas pela chamada “reforma trabalhista”, implantada pela Lei 13.467 de 13-07-2017.

Hipótese 1:

Suponha que sua opção foi a de não mexer nos trilhos e o bonde da fictícia empresa “BONDES DO BRASIL S/A” atinge as seguintes cinco pessoas, matando todas:

1ª) AAauxiliar de serviços gerais empregado da empresa do bonde – salário R$ 1.200,00 – 40 anos – vivia em regime de união estável, tinha 3 filhos menores de 18 anos;

2ª) BBauxiliar de serviços gerais empregado da empresa do bonde – salário R$ 1.200,00 – 40 anos – era casado e tinha um filho menor de 18 anos;

3ª) CCencarregado empregado da empresa do bonde – salário R$ 3.500,00 – 56 anos – era casado e tinha duas filhas maiores de 18 anos e casadas;

4ª) DDengenheiro responsável pelo canteiro de obras, sócio de uma empresa prestadora de serviços de acompanhamento – rendimento médio mensal declarado ao fisco – R$ 7.000,00 – 47 anos – era casado e tinha dois filhos menores de 18 anos;

5ª) EEentregador de marmitas, filho de uma merendeira que fornecia refeições aos trabalhadores, mediante pagamento direto pelos mesmos – trabalhava sem salário fixo. Desenvolvia seu trabalho para ajudar nos ganhos e composição da renda familiar – 16 anos.

Fique bem claro que AA, BB e CC eram empregados, DD era terceirizado e EE apenas fazia uma entrega no local.

É lógico que a “BONDES S/A” responde civilmente pelos prejuízos que causou e, obviamente, vai ter de indenizá-los.

Com base em tais premissas, passa-se à análise das possibilidades de reparações decorrentes do infortúnio, e os direitos das vítimas, apenas no aspecto extrapatrimonial.

EE

Deu um baita azar! Estava de passagem, fazendo uma entrega. Não tinha qualquer relação com a BONDES, que tem responsabilidade objetiva extracontratual no caso, já que o infortúnio se deu em seu canteiro de obras.

Em decorrência de sua atividade e dos riscos a ela inerentes, a BONDES, como qualquer estabelecimento, tinha o dever de prover a segurança em seu canteiro de obras, tanto para os trabalhadores, como para qualquer pessoa que por ali transitasse.

Neste caso, para reconhecimento do direito à reparação se verifica apenas a existência de nexo de causalidade e dano.

Em tese, seus familiares em primeiro grau – pais terão direito às seguintes indenizações por danos “em ricochete”:

danos materiais – prejuízos (despesas hospitalares, enterro) e lucros cessantes (pensão temporária decorrente da perda de renda);

danos morais – decorrentes da dor da perda do filho.

Não há propriamente uma tabela, mas o Superior Tribunal de Justiça – STJ normalmente tem concedido indenizações por danos morais aos familiares (danos em ricochete) em cerca de 400 salários mínimos (http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Couto-e-Silva-civilistica.com-a.2.n.1.2013.pdf), valor este que pode ser majorado ou diminuído se analisados outros aspectos do caso.

Pois bem. Partindo-se de precedentes de menor valor monetário do STJ a indenização por danos morais em ricochete deverá ser arbitrada pela Justiça Comum Estadual em, no mínimo, R$ 200.000,00 (100 salários mínimos para cada um dos pais – RECURSO ESPECIAL REsp 792416 SP 2005/0178291-5 STJ).

Ou seja, se ficar barato, a BONDES vai ter que desembolsar no mínimo R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para indenizar por danos morais em ricochete a família de EE.

Partindo de outros julgados e da jurisprudência média do STJ, tal valor pode chegar facilmente a R$ 400.000,00 ou mais.

DD

Engenheiro, prestador de serviços terceirizado. Aqui também há responsabilidade objetiva patronal, não só porque tinha o dever de promover a segurança para qualquer pessoa em seu canteiro de obras, com também e especialmente pelas disposições da Lei 6.019/74 com redação 13.429/2017 que acrescentou o § 3º do art. 5º-A, com a seguinte redação: “§ 3o  É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato.”

Neste caso se verifica a existência de nexo de causalidade, dano e culpa (falha na segurança).

Em tese, cônjuge e seus descendentes, terão direito às seguintes indenizações por danos “em ricochete”:

danos materiais – prejuízos (despesas hospitalares, enterro) e lucros cessantes (pensão temporária decorrente da perda de renda);

danos morais – decorrentes da dor da perda do marido/pai.

Partindo-se das mesmas premissas do item anterior e precedentes do STJ a indenização por danos morais em ricochete deverá ser arbitrada pela Justiça Comum Estadual em no mínimo R$ 200.000,00 (100 salários mínimos para cônjuge e  R$ 50.000,00 para cada filho) e R$ 400.000,00, podendo chegar a bem mais.

Ou seja, se ficar barato, a BONDES vai ter que desembolsar no mínimo R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para indenizar por danos morais em ricochete a família de DD, e a indenização pode facilmente passar de R$ 1.000.000,00, se parametrizada por outros julgados do STJ.

AA, BB e CC

Trabalhadores empregados em atividade cujo enquadramento como “de risco” é questionável – auxiliares de reparos e encarregado de montagem e manutenção de trilhos. Por isso, partamos da premissa que a responsabilidade patronal é subjetiva.

Logo, o pedido de indenização terá de unir os quatro elementos (ação ou omissão, somados à culpa ou dolo, nexo e o consequente dano), ou seja, demandará estabelecimento de nexo de causalidade e dano (praticamente incontroversos), e poderá gerar acirrada discussão sobre atuação culposa do empregador, que, com certeza vai alegar caso fortuito, responsabilidade do motorneiro, etc., e tentar a todo custo isentar-se de responsabilidade.

Eventual indenização devida será por força das normas do direito civil – responsabilidade contratual, concernente aos danos materiais – prejuízos (despesas hospitalares, enterro) e lucros cessantes (pensão temporária decorrente da perda de renda).

Já os danos imateriais ganharam um complicador com a reforma trabalhista (Lei 13.467), que assim dispôs nos art. 223-A e 223-B:

Art. 223-A.  Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.’ 

‘Art. 223-B.  Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’ 

Se a pessoa física ou jurídica é titular exclusiva do direito à reparação imaterial e as relações de trabalho são unicamente regidas por tais normas, conclui-se que seus familiares não terão direito à reparação por danos extrapatrimoniais, mesmo que reconhecida culpa ou dolo patronal!!!!!!

O quadro abaixo mostra o paradoxo criado pela situação e tratamento diferenciado entre empregados e não empregados.

Personagem Relação com a empresa Bondes Estimativa de valor de indenização por danos morais para familiares
AA Empregado auxiliar de sv. gerais ———
BB Empregado auxiliar de sv. gerais ———
CC Encarregado de montagem e manutenção de linha ———
DD Terceirizado Engenheiro responsável técnico R$ 200.000,00 a

R$ 1.000.000,00

EE Entregador – sem relação direta R$ 200.000,00 a

R$ 400.000,00

Após análise da situação, resta a indagação: é justa a solução da lei para este caso? Parentes de terceirizados e terceiros sem relação direta com a empresa têm direito a reparação por danos morais pela dor da perda de seus entes próximos e os empregados não?

Penso que nem os dirigentes da empresa “BONDES DO BRASIL” achariam justa a solução…

Mas a análise pode se tornar mais peculiar se cuidarmos da indenização de vítimas sobreviventes, e para isso analisa-se outra situação, mantendo os mesmos personagens.

Hipótese 2:

Suponha que a opção do espectador foi a de não mexer nos trilhos e o bonde da fictícia empresa “BONDES DO BRASIL S/A” atinge cinco pessoas, mas não as mata. Causa-lhes gravíssimas lesões, que gerarão sequelas incuráveis (paraplegia, perda de membros, deficiência por lesões cerebrais, etc.).

Nossos personagens continuam sendo os empregados AA, BB, e CC, o engenheiro terceirizado DD, e o entregador de marmitas EE.

Vamos às considerações sobre o destino de cada um.

EE

Reitera-se: estava de passagem, fazendo uma entrega. Não tinha qualquer relação com a BONDES, que tem responsabilidade objetiva extracontratual no caso, já que o infortúnio se deu em seu canteiro de obras.

Em decorrência de sua atividade e dos riscos a ela inerentes, a BONDES, como qualquer estabelecimento, tinha o dever de prover a segurança em seu canteiro de obras, tanto para os trabalhadores, como para qualquer pessoa que por ali transitasse.

Neste caso, para reconhecimento do direito à reparação se verifica apenas a existência de nexo de causalidade, dano e grau da lesão, e efeitos.

Em tese, EE, terá direito às seguintes indenizações:

danos materiais – prejuízos (despesas hospitalares, tratamento, remédios, prótese) e lucros cessantes (pensão vitalícia decorrente da incapacidade);

danos morais – decorrentes da dor/sofrimento pelo acidente, tratamento e sequelas;

danos estéticos – decorrentes de cicatrizes, deformidades ou perda de partes do corpo ou funcionalidades;

danos em ricochete para familiares – pelo trauma de ter de conviver com um filho permanentemente lesionado, e até por prejuízos se tiverem que deixar seu trabalho para cuidar da vítima.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ normalmente tem concedido indenizações por danos morais às vítimas com lesões graves e permanentes em cerca de 400 salários mínimos para danos morais e 200 salários mínimos para danos estéticos – (STJ, 4ª T., REsp 519.258), valores estes que podem ser até majorados.

Igualmente, partindo-se de precedentes mínimos do STJ a indenização por danos morais em ricochete deverá ser arbitrada pela Justiça Comum Estadual em no mínimo R$ 30.000,00 (30 salários mínimos para cada um dos pais – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1130300 / SP 2009/0146020-1 (STJ).

Ou seja, se ficar barato, a BONDES vai ter que desembolsar no mínimo R$ 660.000,00 (seiscentos e sessenta mil reais) para indenizar por danos morais EE e sua família.

Partindo de outros julgados e da jurisprudência média do STJ, tal valor pode chegar facilmente a R$ 1.000.000,00 ou mais.

DD

Engenheiro, prestador de serviços terceirizado. Aqui, também, há responsabilidade objetiva patronal, não só porque tinha o dever de promover a segurança para qualquer pessoa em seu canteiro de obras, com também e especialmente pelas disposições da Lei 6.019/74 com redação 13.429/2017 que acrescentou o § 3º do art. 5º-A, com a seguinte redação: “§ 3o  É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato.”

Neste caso se verifica a existência de nexo de causalidade, dano e culpa (falha na segurança).

Em tese, DD, terá direito às seguintes indenizações:

danos materiais – prejuízos (despesas hospitalares, tratamento, remédios, prótese) e lucros cessantes (pensão vitalícia decorrente da incapacidade);

danos morais – decorrentes da dor/sofrimento pelo acidente, tratamento e sequelas;

danos estéticos – decorrentes de cicatrizes, deformidades ou perda de partes do corpo ou funcionalidades;

danos em ricochete para familiares – pelo trauma de ter de conviver com um marido/pai permanentemente lesionado, e até por prejuízos se tiverem que deixar seu trabalho para cuidar da vítima.

Partindo-se das mesmas premissas do item anterior e precedentes do STJ a indenização por danos morais deve ser arbitrada em 400 salários mínimos, danos estéticos – 200 salários mínimos; e danos em ricochete em R$ 100.000,00, podendo chegar a bem mais.

Ou seja, se ficar barato, a BONDES vai ter que desembolsar, no mínimo, R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) para indenizar por danos morais, estéticos e em ricochete que pode facilmente passar de R$ 1.000.000,00, se parametrizada por outros julgados do STJ.

AA, BB e CC

Trabalhadores empregados em atividade cujo enquadramento como “de risco” é questionável – auxiliares de reparos e encarregado de montagem e manutenção de trilhos. Por isso, partamos da premissa que a responsabilidade patronal é subjetiva.

Logo, o pedido de indenização terá de unir os quatro elementos (ação ou omissão, somados à culpa ou dolo, nexo e o consequente dano), ou seja, demandará estabelecimento de nexo de causalidade e dano (praticamente incontroversos),  e poderá gerar acirrada discussão sobre atuação culposa do empregador, que, com certeza vai alegar caso fortuito, responsabilidade do motorneiro, etc., e tentar a todo custo isentar-se de responsabilidade.

Eventual indenização devida será por força das normas do direito civil – responsabilidade contratual, concernente aos danos materiais (prejuízos (despesas hospitalares, enterro) e lucros cessantes (pensão temporária decorrente da perda de renda).

Já os danos imateriais ganharam um complicador com a reforma trabalhista (Lei 13.467), que assim dispôs nos art. 223-A e 223-B:

Art. 223-A.  Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.’ 

‘Art. 223-B.  Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’ 

Aqui serve exatamente o mesmo argumento: se a pessoa física ou jurídica é titular exclusiva do direito à reparação imaterial, e as relações de trabalho são unicamente regidas por tais normas, conclui-se que seus familiares não terão direito à reparação por danos extrapatrimoniais, mesmo que reconhecida culpa ou dolo patronal!!!!!!

E mais, além do parágrafo primeiro do art. 223-G vedar a acumulação de danos extrapatrimoniais, os tarifou conforme texto abaixo:

§1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:  

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; 

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; 

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;  

IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.  

Por tal razão, se fixados em patamares máximos e observada a remuneração de cada um dos trabalhadores, se gravemente feridos e com lesões permanentes os auxiliares de serviços gerais AA e BB receberão R$ 60.000,00 cada e o encarregado CC receberá R$ 175.000,00.

O quadro a seguir mostra o paradoxo criado pela situação e tratamento diferenciado entre empregados e não empregados.

Personagem

Relação com a empresa Bondes Remuneração

ou ganho

médio em R$

Indenização

por

danos morais

Indenização

por

danos estéticos

Indenização

por

danos em

ricochete

AA Empregado auxiliar de sv. gerais 1.200,00 60.000,00 –X– –X–
BB Empregado auxiliar de sv. gerais 1.200,00 60.000,00 –X– –X–
CC Encarregado de montagem e manutenção de linha 3.500,00 175.000,00 –X– –X–
DD Terceirizado Engenheiro responsável técnico 7.000,00 400.000,00 200.000,00 60.000,00
EE Entregador – sem relação direta  

–X–

400.000,00 200.000,00

100.000,00

Para deixar mais claro observe-se o seguinte comparativo:

Personagem Relação com BONDES Indenizações por danos

extrapatrimoniais em R$

AA empregado 60.000,00
BB empregado 60.000,00
CC empregado 175.000,00
DD terceirizado 660.000,00
EE sem relação 700.000,00

Após análise da situação resta a indagação: é justa a solução da lei para este caso? Pessoas sem relação direta com a empresa, parentes de terceirizados e terceiros sem relação direta com a empresa, têm direitos diferentes e muito superiores aos dos empregados?

Impressiona também a disparidade de valores decorrente do tratamento diferenciado que a lei faz em cada caso.

Mais uma vez penso que nem os dirigentes da empresa “BONDES DO BRASIL” achariam justa a solução…

Diante de tão flagrante injustiça na solução apontada, analisam-se alguns aspectos que denotam patente inconstitucionalidade nas disposições relativas aos danos extrapatrimoniais na Lei 13.476.

1ª – LIMITAÇÃO DOS DANOS ÀS VÍTIMAS DIRETAS – FIM DOS DANOS MORAIS EM RICOCHETE.

Os danos em ricochete têm fundamento nos art. 5º inc. V e X da Constituição da República e art. 186 (dever geral de reparação) e 948 do Código Civil – reparação dos familiares da vítima, que são indenizados por suas perdas e dor, e não têm relação direta ou de trabalho com o empregador que causou danos ao seu parente.

Se o relacionamento dos parentes e empresa é meramente civil, seus direitos indenizatórios não podem ser limitados pela legislação trabalhista.

Apesar das lesões das vítimas terem ocorrido numa relação de trabalho, os danos de seus parentes têm natureza extracontratual.

Além disso, é evidente que o tratamento diferenciado de parentes de vítimas empregadas e não empregadas acarreta ofensa ao princípio da isonomia, pois permite o tratamento de iguais desigualmente, e ofende a “dignidade da pessoa humana”, na medida em que dispensa atenção menor a alguns (art. 1º III da Constituição da República).

“Parente de vítima” é “parente de vítima”, e pouco importa se quem causou o dano era empregador ou não, se tinha relação contratual ou extracontratual com a vítima. Parente é indenizado porque é parente e sofre porque é ser humano.

Logo, a limitação dos art. 223-A e 223-B da Lei 13.467 da aplicação exclusiva da lei trabalhista para os infortúnios do trabalho e indenização unicamente à vítima, ofende a letra dos art. 1º, III e 5º, V da Constituição Federal, invade a esfera de direitos extracontratuais, limitando-os por contrato, e não pode ter o condão de revogar os art. 186 e 948 do Código Civil.

2ª – TARIFAÇÃO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS – IMPOSSIBILIDADE

O “preço da dor”, a apuração do valor dos danos morais é dos mais complexos assuntos, causa de infindáveis discussões em todos os tribunais que apreciam esta questão.

A indenização por dano moral não repara o dano, mas sim propicia uma compensação pelo dano sofrido.

Diante da necessidade de reconhecimento da dignidade da pessoa humana, e para cumprimento das funções compensatória, indenitária, e concretizadora das indenizações, nosso direito adotou a “teoria da reparação integral” e instituiu regra mediante o art. 944, do CCB, segundo a qual: “ A indenização mede-se pela extensão do dano.”

Logo, não se admite a tarifação dos danos, pois em cada causa, deve ser medida sua extensão.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou expressamente sobre este assunto mais de uma vez, sendo emblemático o entendimento externado no RE 396.386 (rel. min. Carlos Velloso, DJ 13.08.2004), cuja ementa tem o seguinte teor: “CONSTITUCIONAL. CIVIL. DANO MORAL: OFENSA PRATICADA PELA IMPRENSA. INDENIZAÇÃO: TARIFAÇÃO. Lei 5.250/67 – Lei de Imprensa, art. 52: NÃO-RECEPÇÃO PELA CF/88, artigo 5º, incisos V e X. RE INTERPOSTO COM FUNDAMENTO NAS ALÍNEAS a e b.” Posteriormente, a Lei de Imprensa foi definitivamente “derrubada” pelo STF na ADPF 130/DF, na qual foi rechaçado o dano moral tarifado.

Agora a Lei 13.467 tenta ressuscitar esta discussão já sepultada e colocar parâmetros no que não pode ser tabelado.

Portanto, evidente a inconstitucionalidade da tarifação dos danos morais prevista no art. 223-G, § 1º, por ofensa ao art. 1º, III, da Constituição da República, violação ao “Princípio da Reparação Integral” e afronta ao art. 944, do Código Civil Brasileiro, que regulou inteiramente o assunto.

3ª – INCONSISTÊNCIA DO TABELAMENTO – OFENSA À ISONOMIA.

Ainda que se permitisse a tarifação dos danos morais, o que se admite apenas por amor ao argumento, o tabelamento proposto não subsistiria, pois como aqui demonstrado, além de ofender a dignidade da pessoa humana, ela propicia discriminação odiosa, na medida em que a vida de trabalhadores melhor remunerados vale mais que a dos humildes.

A dor pela lesão de um gerente ou encarregado pode ser compensada com valor maior que a de um “auxiliar de serviços gerais”?

Além disso, pode acarretar indenizações em valores pífios, que obviamente descaracterizarão a finalidade concretizadora de qualquer indenização.

Aqui também nítida a inconstitucionalidade por violência aos art. 1º III e 5º, da Constituição da República.

CONCLUSÃO

O tratamento às indenizações extrapatrimoniais dispensado pela Lei 13.467 é flagrantemente iníquo e inconstitucional quando as tarifa e exclui das relações de trabalho os danos morais de familiares (em ricochete).

No caso do “dilema do bonde”, nunca pode ser dada a opção ao espectador de escolher a consequência economicamente mais vantajosa, pois quando se lida com vidas, necessária a preservação de nossa dignidade humana, sob pena de desrespeito aos valores fundamentais de qualquer regime democrático e estado de direito, e o que é pior, o auto-desrespeito.

Não podemos admitir este desserviço a nós mesmos.

@desembargadorcassiocolombo

www.quempagaessaconta.com.br

[i] CASSIO COLOMBO FILHO é Desembargador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Professor Universitário, escritor e palestrante.