7 de julho de 2014

Novas ferramentas dependem de melhor estrutura de pessoal no 1º grau – Luciano Athayde

Creio que já se tornou senso comum a ideia de que a crise de efetividade da Justiça brasileira, diagnosticada pelos altos índices de congestionamento na fase de cumprimento da sentença e/ou execução forçada, é um dos seus mais deletérios problemas e também um dos mais difíceis a serem enfrentados.

Culturalmente, somos um país de baixa faticidade da ordem jurídica, de alta inadimplência obrigacional e de precária concretização do escopo pedagógico da jurisdição.

Neste mesmo espaço na ConJur[1] cheguei a indicar, por exemplo, que o problema da efetividade jurisdicional precisa ser enfrentado com um repensar institucional quanto à alocação de recursos humanos e orçamentários, tema que está atualmente em debate no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, em razão da Política Nacional de Priorização do 1º Grau.

E qual a razão da adoção dessa política pública no Poder Judiciário?

As atividades da jurisdição de 1º grau costumam ser relegadas a um plano relativamente secundário em nossa cultura judiciária, em razão da obnubilação provocada pela força revisional da complexa tessitura recursal, que costuma iluminar os precedentes e as súmulas produzidos pelos tribunais — até mesmo em função de sua força persuasiva na uniformização da jurisprudência —, deslocando para a opacidade as demais atividades jurisdicionais ao encargo dos órgãos de 1º grau.

Após a curta ou longa marcha da fase cognitiva propriamente dita, sintetizada pela exequibilidade da decisão judicial (incluídas as tutelas de urgência e o cumprimento provisório da sentença), desencadeia-se uma série de procedimentos a cargo do juízo de 1º grau, procedimentos que demandam um esforço muito grande e que raramente ganha visibilidade dos atores sociais e do processo.

Se a decisão exequenda é líquida, a fase de liquidação é tangenciada. Mas, nos casos mais complexos, nas ações coletivas e em demandas plúrimas, esse esforço pode ser exponencial, inclusive envolvendo perícia contábil, impugnações à conta e, mais adiante, o ataque da decisão de liquidação por meio de embargos à execução.

Superada a fase de acertamento ou sendo a mesma inexistente, mira-se o cumprimento do que consta no título judicial. Na Justiça do Trabalho, a expressiva maioria dos casos envolve obrigações de pagar.

Nesses casos, mesmo quando o devedor se mostra solvente[2] — o que nem sempre sucede —, observa-se, de forma empírica, o baixo pagamento voluntário, o que implica a adoção, de ofício, de medidas de execução forçada, como a expedição de ordem eletrônica de bloqueios de ativos. Apesar da singeleza conceitual, esse mecanismo envolve o preenchimento de formulários eletrônicos, atuação do juiz para transferência de valores bloqueados, intimações, etc.

E, se essa ferramenta não se mostrar exitosa, outros caminhos podem ser percorridos, mas todos eles gravitando em torno da necessidade de atenção e de tempo do magistrado e da secretaria que o apoia em suas tarefas jurisdicionais.

Ocorre que, em geral, esse suporte à atividade jurisdicional é manifestamente insuficiente, diante da envergadura da pletora de atos processuais que precisam ser praticados nessa fase. O resultado dessa inequação pode ser dimensionado nas taxas de congestionamento da execução, por volta de 70% na Justiça do Trabalho.

Creio que é nesse contexto que devem ser examinadas duas ferramentas recentemente anunciadas pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

A primeira é a utilização do Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (Simba), que será possível após a assinatura de um acordo de cooperação técnica entre o TST e a Procuradoria-Geral da República. O sistema, segundo texto divulgado no portal do TST, “tem como objetivo facilitar o recebimento e processamento das informações sobre movimentações bancárias fornecidas por instituições financeiras nos casos em que o juiz determina a quebra de sigilo bancário. O software permite o tráfego dos dados pela Internet, conferindo maior agilidade à sua análise”.[3]Dependendo ainda de regulamentação de seu uso pelo TST, esse sistema vem a se somar com outros já disponíveis, e que têm realmente colaborado para o enfrentamento do problema da localização patrimonial.

A outra ferramenta é a criação dos Núcleos de Pesquisa Patrimonial, de que trata a Resolução CSJT 138/2014, que, de acordo com o art. 2º, têm a competência de: “I. promover a identificação de patrimônio a fim de garantir a execução; II. requerer e prestar informações aos Juízos referentes aos devedores contumazes; III. propor convênios e parcerias entre instituições públicas, como fonte de informação de dados cadastrais ou cooperação técnica, que facilitem e auxiliem a execução, além daqueles já firmados por órgãos judiciais superiores; IV. recepcionar e examinar denúncias, sugestões e propostas de diligências, fraudes e outros ilícitos, sem prejuízo da competência das Varas; V. atribuir a executantes de mandados a coleta de dados e outras diligências de inteligência; VI. elaborar estudos sobre técnicas de pesquisa, investigação e avaliação de dados, bem como sobre mecanismos e procedimentos de prevenção, obstrução, detecção e de neutralização de fraudes à execução; VII. produzir relatórios circunstanciados dos resultados obtidos com ações de pesquisa e investigação; VIII. formar bancos de dados das atividades desempenhadas e seus resultados; IX. realizar audiências úteis às pesquisas em andamento, inclusive de natureza conciliatória, com fundamento no disposto nos artigos 599, 600 e 601 do Código de Processo Civil; X. praticar todos os atos procedimentais necessários ao regular andamento dos processos; XI. exercer outras atividades inerentes à sua finalidade”.

A iniciativa do Conselho Superior da Justiça do Trabalho visa amplificar iniciativas exitosas já adotadas por alguns tribunais regionais, que perceberam a necessidade de focar energia e atenção institucional na concretização da mais destacada peculiaridade da execução na Justiça do Trabalho: o impulso oficial.

A medida, portanto, é bem-vinda, pois sinaliza alinhamento estratégico da Justiça do Trabalho com a referida Política Nacional de Priorização do 1º Grau, mas tudo vai depender de como os tribunais regionais vão estruturar esses núcleos, inclusive no que se refere ao apoio de secretaria, pois, como sublinhado, trata-se de atividade que requer muito esforço e tempo.

Sem a estrutura necessária, não se pode esperar muitos resultados. E essa estrutura dificilmente poderia ser formada a partir de deslocamento de servidores atualmente lotados nas Varas do Trabalho, uma vez que estas, majoritariamente, já estão atuando com o quantitativo mínimo previsto na Resolução CSJT 83/2011 (embora esse quantitativo seja o mínimo, não omáximo).

Sublinho que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a Justiça do Trabalho tem uma das maiores distorções entre o número de servidores de 1º e 2º graus.

Por outro lado, a meu juízo, andou bem,a medida ao prever a possibilidade, por exemplo, de “atribuir a executantes de mandados a coleta de dados e outras diligências de inteligência” (art.2º, inciso V), pois, como sabemos, a chegada do PJe-JT, ao lado de outras inovações processuais (como a possibilidade de intimação do executado por meio de seu advogado, cf.: art. 475-J, CPC), vem reduzindo, e muito, a necessidade de diligências pessoais. Além disso, trata-se de um profissional qualificado, experiente e com formação jurídica, que pode colaborar com o Juiz da Execução em exercício nos núcleos de investigação.

Creio, em arremate, que, se essas novas e valiosas ferramentas executivas descortinarem uma melhoria na estrutura dos juízos de execução na Justiça do Trabalho, há real potencial de avanços no perfil da sua taxa de congestionamento.


[1] CHAVES, L. A. “Efetividade da Justiça depende da priorização do 1º Grau”: Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-out-22/luciano-athayde-efetividade-justica-depende-priorizacao-grau. Acesso em 19.6.2014.

[2] E, nesse ponto, é fundamental considerar os frequentes casos de ocultação patrimonial e/ou a necessidade de desconsideração da personalidade jurídica, direta ou inversa.

[3] Disponível em: www.tst.jus.br.

 é juiz do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Natal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

(Fonte: Revista Consultor Jurídico, 07 de julho de 2014, 14:37h)