12 de julho de 2017

Opinião – A Redução do Número de Ações Trabalhistas (que não virá com a Reforma Laboral)

A Redução do Número de Ações Trabalhistas
(que Não Virá Com a Reforma Laboral)

 Célio Horst Waldraff
Mestre e Doutor pela UFPR
M
estre pela Universidade Internl. de Andalucia, Espanha
Pós-Doutorando pela Universidade. de Florença, Itália
P
rofessor de Processo do Trabalho na UFPR
Desembargador no Tribunal do Trabalho do Paraná

Objeto: o texto trata da Reforma Laboral, com base o PL 6.787-B/2016, aprovado na Câmara de Deputados, especificamente nos itens referentes à Execução Trabalhista.

Finalidade: pretende-se demonstrar que o efeito será, ao contrário do pretendido, o AUMENTO e o ATRASO das ações trabalhistas.

Sobre a ideologia costuma-se fazer duas afirmações: (i) que somos todos ideológicos, não havendo escapatória; (ii) ou então, que ideologia é a versão mentirosa daqueles que conosco não concordam.

Ainda assim, por mais ideológicos que sejamos (todos), não há como banir por completo a veracidade fática. Não há como negar, p.ex., que foi a Alemanha quem invadiu a Bélgica nas duas Guerras Mundiais – e não o contrário. Há, por tanto, um limite mínimo de concretude que não pode ser erradicado.

Pois isso, para tratar da Reforma Laboral, um verdadeiro pântano de afirmações ideológicas, o presente texto limita o seu alvo a um pequeno fragmento: a Execução Trabalhista.

Sobre o assunto, alardeou-se a expectativa da Redução do Número de Ações Trabalhistas (ex. gr. Gazeta do Povo do último dia 21 de abril). Só em 2016 seriam quase 3 milhões de ações, segundo previsões do próprio TST e para cada quatro ou cinco execuções, apenas UMA foi efetivamente paga.

Vejamos, primeiramente, a modificação quanto ao Grupo Empresarial:

Texto Vigente

Alteração Aprovada na Câmara
Art. 2º, § 2º, da CLT. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. Art. 2º, § 2º, da CLT. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

§ 3º. Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

O §2º, do art. 2º, da CLT, define o instituto desde 1943. É claro, compreensível, funcional e escrito em português perfeito. A novidade foi meramente redacional e um atrevimento inútil.

A inserção do §3º, ao contrário, restringe os casos de responsabilização do grupo empresarial apenas quando demonstrado, em conjunto, o interesse integrado, a efetiva comunhão de interesse e a atuação conjunta das empresas integrantes. Requisitos nada fáceis de preencher e, principalmente, comprovar, na normalmente trevosa execução trabalhista.

Em seguida, vem a Reforma com a alteração da Sucessão:

Texto Vigente

Alteração Aprovada na Câmara

Art. 10, da CLT. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.

Art. 10, da CLT. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.

Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

I – a empresa devedora;

II – os sócios atuais; e

III – os sócios retirantes.

 

Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.

Art. 448, da CLT. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

Art. 448, da CLT. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

 

Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.

 

Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.

Os arts. 10 e 448, da CLT, tem a redação preciosa e compreensível do texto original, que acabou por sofrer a clamorosa inserção de duas letras e dois parágrafos, de uma deselegância atroz.

No art. 10-A, o sócio retirante somente poderá ser responsabilizado subsidiariamente, após a própria empresa e os sócios atuais e caso ajuizada a ação no prazo de dois anos de sua retirada. Ora, até as pedras sabem que o trabalhador somente entra com a ação trabalhista se for despedido. Caso o contrato de trabalho seja mantido por mais dois anos e um dia após a saída do sócio, a lei o imuniza de qualquer dívida.

A subsidiariedade será transformada em solidariedade caso se prove a fraude, mas a quarentena de dois anos é sempre preservada.

Já a novidade do art. 448-A e seu parágrafo único eximem por completo a empresa sucedida da responsabilidade trabalhista em caso de transferência, salvo no caso de fraude.

Essas duas inovações vão retardar ainda mais a execução trabalhista. Se antes, o resultado já era de 20 a 25% por ano, o percentual cairá ainda mais. Resultado: mais processos parados com aumento na demora e custos, beneficiando os caloteiros.

Na sequência das modificações, insere-se na CLT a prescrição intercorrente, que incide para as ações em curso, especialmente para as execuções infrutíferas:

Art. 11-A, da CLT. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.

§ 1º. A. fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução. 

§ 2º. A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declaarada de ofício em qualquer grau de jurisdição.

Se a intenção era facilitar a prescrição intercorrente, o texto deveria ser mais valente, prevendo a prescrição intercorrente em caso, p.ex. de inexistência de bens ou insolvência do devedor. O resultado, claro, seria prejudicar ainda mais o empregado, que “ganha mas não leva”.

Da forma como está, só nos casos em que o próprio empregado paralisa a execução, corre a prescrição intercorrente. Já é assim que funciona e fica a impressão que a Reforma acanhou-se, ante os abusos cometidos em outros pontos. Resultado: além de se perder tempo com execuções inúteis, a dívida trabalhista em juízo permanece sendo perpétua. Não prescreve nunca. É caso único no Direito brasileiro, onde até o crime doloso contra a vida pode prescrever.

Outra modificação é a proibição da execução por iniciativa do juízo, sem requerimento da parte, desacompanhada de advogado:

Texto Anterior

Alteração Aprovada na Câmara

Art. 878, da CLT. A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior.

Parágrafo único. Quando se tratar de decisão dos Tribunais Regionais, a execução poderá ser promovida pela Procuradoria da Justiça do Trabalho.

Art. 878, da CLT. A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.

Parágrafo único. Revogado.

É caso raro, na prática, mas tem um efeito simbólico. Rema-se contra maré do Processo Civil, com a unificação do conhecimento e da execução e da iniciativa e intervenção judicial no processo.

Por fim, a mais pérfida das alterações. Até 2009, a correção monetária para as dívidas trabalhistas era a TR. Todavia, o STF entendeu que a utilização da TR “violava o direito de propriedade”, por ser bem inferior à inflação oficial, sendo injusto utilizá-la.

Esse entendimento fomenta controvérsia na jurisprudência trabalhista até hoje. Em 2009, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho decidiu que o IPCA/IGPM, correspondente à inflação oficial deveria ser o índice de correção trabalhista e esse vem sendo o entendimento majoritário.

Agora, todavia, pela proposta aprovada, retornaremos à pífia TR:

Art. 879, §7º, da CLT. A atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991.

Imaginemos uma dívida trabalhista de R$ 1.000,00 em janeiro de 2009. Pelo IPCA, a correção monetária até o final de abril de 2017 seria de aproximadamente 63%. Pela TR, o índice é de 8,3%!!! Claro, há os juros moratórios incluídos, mas ainda assim, a diferença é de aproximadamente cinco vezes! Por outro lado, os mesmos R$ 1.000,00 em uma aplicação à taxa SELIC renderiam aprox. 135%.

Nesses parâmetros, porque pagar corretamente as suas dívidas trabalhistas? Melhor aplicar o dinheiro, aguardar a reclamatória e procrastiná-la ao máximo ou tentar um acordo, reduzindo ainda mais as perdas – ou aumentar ainda mais os ganhos. Tudo dentro da lei.

Conclusão: em poucos e atrapalhados golpes, a Reforma Trabalhista mata dois coelhos: aumenta e atrasa o número de ações e execuções trabalhistas e, de inhapa, prejudica o empregador honesto que paga suas dívidas trabalhistas em dia.