1 de outubro de 2013

Críticas ao Projeto de Lei da Terceirização (PL 4.330/2004)

IVAN TESSARO

Mais um novo ataque aos direitos trabalhistas surge com a alegada finalidade de desenvolver a legislação que dispõe sobre as relações de trabalho. A ameaça tem nome e número: Projeto de Lei nº 4.330/2004, que deverá ser votado nos próximos meses na Câmara dos Deputados, com o objetivo de regulamentar a terceirização no Brasil.

Via de regra, o trabalhador presta seus serviços diretamente em benefício da empresa que o contratou e através dela se insere em determinado meio ambiente de trabalho. Se em algum momento tiver direitos lesados, pode cobrar do empregador o que lhe é devido.

Instituto desenvolvido originalmente dentre as ciências da administração, a terceirização qualifica-se pela possibilidade de uma empresa ou Ente Público delegar para outra empresa a execução de parte das suas atividades. Desse modo, a prestadora de serviços terceirizados disponibiliza mão de obra para a tomadora.

O que ocorre, então, é que os empregados terceirizados, a despeito do local onde trabalham, não são empregados da empresa ou servidores do Ente Público em que atuam.

A finalidade maior da opção pela contratação de uma empresa terceirizada é a de maximização de resultados, leia-se, redução de custos, o que na prática tem implicado cortes de despesas com direitos trabalhistas. A realidade demonstra, então, que a terceirização de serviços funciona como mecanismo de diminuição de garantias e de direitos para boa parte dos empregados terceirizados, os quais recebem salários mais baixos e tem menos benefícios quando comparados com trabalhadores da mesma função que não sejam terceirizados.

Acresça-se que a empresa terceirizada é responsável direta pela quitação de todas as verbas trabalhistas, ficando a tomadora na posição de devedora subsidiária, ou seja, só paga a conta depois de esgotadas as tentativas de cobrança contra a primeira, dificultando assim, para o trabalhador, o recebimento daquilo que lhe é devido.

A terceirização comprovadamente também diminui a disponibilidade de postos de empregos e paralelamente aumenta a rotatividade de mão de obra, pontos que são absolutamente prejudiciais não só à classe trabalhadora, mas também à toda a sociedade, pois quanto mais vezes o trabalhador for demitido, para, poucos meses depois, ser novamente contratado, maior será o tempo em que ficará recebendo seguro-desemprego, benefício concedido a partir de aportes feitos por toda a sociedade ao FAT (fundo de amparo ao trabalhador).

Daí porque o PL 4.330/2004 sofrer tanta resistência dentre os estudiosos e aplicadores do Direito do Trabalho.

Mais grave é que constitui ainda fator concreto de risco à saúde e à integridade física dos trabalhadores terceirizados, porquanto a redução de custos com a intermediação desse tipo de mão de obra tem sacrificado investimentos não só na remuneração e em outros benefícios acessórios, como também nas condições de segurança e saúde dessas pessoas.

Os dados a respeito são alarmantes: 4 em cada 5 mortes por acidente de trabalho no Brasil ocorrem com empregados de empresas terceirizadas. Em cada 10 acidentes de trabalho, 8 ocorrem em empresas que utilizam mão de obra terceirizada. Assim, uma legião de dependentes da previdência social vai se formado em face dos elevados índices de acidentes, recaindo a conta com o pagamento dos benefícios, em última análise, sobre a sociedade pagadora de impostos.

A despeito da realidade exposta, o projeto de Lei 4.330/2004, com a intenção de aparentemente preencher uma lacuna da Lei, já que nosso ordenamento jurídico não dispõe de uma regulamentação – especialmente, quanto à responsabilidade trabalhista do tomador e à especificação das atividades em que a terceirização seria lícita – simplesmente ignora toda a experiência acumulada pela Justiça do Trabalho, que só a admite em situações excepcionais: quando se trata de serviço especializado e no desenvolvimento de atividades acessórias da empresa.

Em sentido diverso ao consolidado perante a maioria dos que lidam diretamente com as questões trabalhistas, a idéia que norteia o referido projeto é estender de forma indiscriminada a terceirização de serviços a quaisquer atividades, inclusive, para aquelas essenciais ou principais das empresas (atividades fim). Ou seja, a contratante/tomadora entregando a outrem o cumprimento direto da atividade que justifica a existência dela, poderia terceirizar a si mesma às custas do sacrifício de direitos trabalhistas!

É dizer, por exemplo, que um frigorífico poderá terceirizar setores como abate e desossa. Uma agropecuária poderá terceirizar o preparo do solo, o plantio, a colheita ou o manejo do gado. Uma construtora poderá terceirizar a construção da fundação de um prédio ou o levantamento de paredes.

Enxerga-se um futuro com empresas sem empregados, realizando seus objetivos exclusivamente através de trabalhadores terceirizados, não assumindo sequer a responsabilidade direta pelo cumprimento das obrigações trabalhistas.

E se no contexto atual em que não há uma regulamentação da questão e em que prevalece o entendimento restritivo a respeito das hipóteses de terceirização de serviços perante a Justiça do Trabalho do País, ainda assim, esta já se encontra atulhada de processos movidos por trabalhadores contra empresas terceirizadas que, muitas vezes, simplesmente encerraram suas atividades sem quitar qualquer parcela rescisória, imagine-se como será se efetivamente houver uma Lei ampliando a possibilidade de terceirização para todas e quaisquer atividades das empresas?.

Vê-se, então, que na contramão da realidade, o PL 4.330/2004 permite expandir o que necessita ser restringido, representando séria ameaça aos direitos e garantias fundamentais do cidadão trabalhador, com reflexos danosos para toda a sociedade.

* IVAN JOSÉ TESSARO é Juiz do Trabalho, Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 23ª Região (MT) AMATRA/23;

(Fonte: HiperNotícias / Foto: Assessoria/TRT23)