1 de outubro de 2014

Agressões internas à independência judicial – Germano Siqueira

Por Germano Siqueira, vice-presidente da Associação Nacional dos  Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

Foi veiculado neste prestigiado Blog, sob o título “Direito de voz aqui, palavra negada ali”, notícia dando conta de que a Anamatra teve cerceado direito de manifestação em sessão administrativa do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (Pernambuco), ao mesmo tempo em que o TRT da 2ª Região (São Paulo) acabara de inserir no seu Regimento Interno o direito de manifestação da entidade regional, a Amatra 2.

Em Pernambuco, a bem da verdade, essa palavra é assegurada – e foi – à Amatra 6, associação que representa a Magistratura trabalhista naquele Estado.

O que causou estranheza e indignação, entretanto, foi a negativa de idêntico direito à entidade nacional (Anamatra) que representa esses mesmos magistrados e também os mais de 3.500 juízes no restante do país.

E a manifestação conjunta da Anamatra naquela sessão (dia 22/9) fazia-se necessária porque os temas em discussão eram de tal ordem graves que transcendiam os interesses regionais, tendo a potencialidade de repercutir sobre prerrogativa de magistrados de todo o país.

No caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em sessão administrativa, ao argumento de quebra da tradição dos juízes de manterem os trabalhos em dia, cogitava deliberar e impor a regulamentação de pautas mínimas de audiência no primeiro grau, com número de processos e dias fixos, bem como decidir sobre o fim do zoneamento dos magistrados (divisão regional do Estado em circunscrições judiciárias com definição permanente de magistrados titulares e substitutos nessas zonas), propostas essas que, caso adotadas, além de contrariar decisões do Supremo Tribunal Federal, concretizariam induvidosa agressão ao núcleo da independência político-institucional da Magistratura, sem o que não há que se falar em Judiciário livre.

Aliás, como recorda o professor Dalmo de Abreu Dallari ,“[…] o reconhecimento formal da independência dos juízes” […] foi feito pela Organização das Nações Unidas através de importante decisão de 1994” e […] longe de ser um privilégio para os juízes, a independência da Magistratura é necessária para o povo”, já que “[…] a Magistratura independente é que pode garantir a eficácia das regras de comportamento social inspiradas na busca da Justiça”.

No que diz respeito a uma ideia de pautas obrigatórias mínimas definidas pelos tribunais e não pelo juiz natural da causa, tal decisão administrativa, se viesse ou vier a ser tomada, representa uma ruptura institucional, tendo em vista que o  direito de agendamento da rotina de trabalho, isto é,  o direito que têm os juízes de pautar o seu cotidianoconstitui real e simbolicamente registro  da autonomia de todo e qualquer órgão de poder.

Negar essa garantia é o mesmo que negar a própria independência judicial, deixando sob tutela e intervenção o Judiciário.

O aspecto da independência é tão importante (“ser” e “parecer ser”) que,   no Código de Bangalore restou anotado: “PERCEPÇÃO PÚBLICA DA INDEPENDÊNCIA JUDICIAL: É importante que o Judiciário seja visto como independente e que a análise da independência inclua essa percepção” (..) Embora a independência judicial seja um status que se funde em condições objetivas ou garantias, bem como em um estado de espírito ou atitude, no real exercício das funções judiciais, o teste para independência é, desse modo, saber se o tribunal pode ser no real exercício das funções judiciais, o teste para independência é, desse modo, saber se o tribunal pode ser razoavelmente percebido como independente” (in COMENTÁRIOS AOS PRINCÍPIOS DE BANGALORE DE CONDUTA JUDICIAL, P.54, Organização: Conselho da Justiça Federal) .

Não bastasse, o Estatuto do Juiz IBERO-AMERICANO , instituído durante na VI Cúpula de Presidentes de Cortes Supremas e Tribunais Superiores de Justiça, em Santa Cruz de Tenerife, Espanha (2001), estabeleceu em seu art.4º:  “INDEPENDÊNCIA INTERNA– no exercício da jurisdição, os juízes não estão submetidos a autoridades judiciais superiores, sem prejuízo da faculdade destas de revisar as decisões jurisdicionais por meio dos recursos legalmente estabelecidos e da força que cada ordenamento nacional atribua à jurisprudência e aos precedentes emanados das Cortes Superiores e Tribunais Superiores”.

Na doutrina nacional esse tema é tratado de forma uníssona por autores como JOSÉ FREDERICO MARQUES, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, MOACYR AMARAL SANTOS, ADA PELLEGRINI e  FÁBIO KONDER COMPARATO.

Quanto à impossibilidade de instruir os juízes no que diz respeito ao modo de julgar ou se portarem na condução dos processos, registra  JOSÉ FREDERICO MARQUES[1]: “No exercício de suas funções, o juiz não está preso a vínculos hierárquicos.  (…) A independência judicial consiste sobretudo na inadmissibilidade e falta de obrigatoriedade de quaisquer instruções superiores relativas ao exercício da atividade judiciária , mesmo que desçam tais instruções de tribunais de instância mais elevada. A atividade judiciária não só prescinde de instruções dessa natureza como também não deve sofrer o seu influxo”.

Para CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO[2] “No exercício da função jurisdicional, o juiz não está vinculado a ordens ou exigências superiores, capazes de determinar-lhe o teor dos julgamentos ou modo de conduzir processos. (…) Assim livre, o juiz está sujeito exclusivamente à sua consciência e à lei. Por lei, entendem-se os atos normativos em geral, que vão da constituição da República aos simples regulamentos”.

MOACYR AMARAL SANTOS[3] registra que “no exercício de suas funções, o juiz deverá sentir-se o intérprete da lei, o órgão que manifesta a sua vontade na solução do caso concreto, a vox legis. Nisso consiste a sua independência interna, dita independência jurídica. O juiz a ninguém se subordina, senão à lei. Quer isso dizer que o juiz, conquanto componente de um organismo cujos órgãos se distribuem em instâncias ou graus, uns inferiores, outros superiores, é idêntico sempre, qualquer que seja o posto que ocupe na hierarquia judiciária. No exercício da função jurisdicional, o juiz não se subordina a qualquer outro órgão judiciário, do qual não recebe ordens ou instruções e cujas decisões não está obrigado a aceitar como normas de decidir. Livre de quaisquer peias de natureza hierárquica, o juiz, no exercício de suas atribuições judicantes, ao formular seus juízos, não tem superiores, é absolutamente autônomo, submetendo-se apenas à sua própria consciência.”

Nas lições de ADA PELLEGRINI[4]  “a posição do Poder Judiciário, como guardião das liberdades e direitos individuais, só pode ser preservada através de sua independência e imparcialidade. (..) Além da independência política e estribada nela, existe ainda a independência jurídica dos juízes, a qual retira o magistrado de qualquer subordinação hierárquica no desempenho de suas atividades funcionais; o juiz subordina-se somente à lei, sendo inteiramente livre na formação de seu convencimento e na observância dos ditames de sua consciência”.

FÁBIO KONDER COMPARATO[5] finalmente pontua: “Diz-se que o Poder Judiciário em seu conjunto é independente, quando não está submetido aos demais Poderes do Estado. Por sua vez, dizem-se independentes os magistrados, quando não há subordinação hierárquica entre eles, não obstante a multiplicidade de instâncias e graus de jurisdição. Com efeito, ao contrário da forma como é estruturada a administração pública, os magistrados não dão nem recebem ordens, uns dos outros”.

No caso da designação de pautas e condução dos processos, em perfeita harmonia com essa doutrina, o art.659, “a” da CLT estabelece: “Art. 659 – Competem privativamente aos Presidentes das Juntas, além das que lhes forem conferidas neste Título e das decorrentes de seu cargo, as seguintes atribuições:  I – presidir às audiências das Juntas (..)”.

No mesmo texto legal o art.658, “b” aponta como deveres precípuos desses mesmos magistrados “abster-se de atender a solicitações ou recomendações relativamente aos feitos que hajam sido ou tenham de ser submetidos à sua apreciação”, ao passo que o art. 765 estabelece ainda que “ os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas (..)”.

Neste sentido, qualquer iniciativa externa, delimitadora de quantidades mínima de audiência por Varas, partindo de outra autoridade que não seja o juiz natural da causa, equivaleria a ato de  gravíssima intervenção na atividade finalística da jurisdição, com potencialidade adjunta de agravar a qualidade do trabalho dos juízes, quer na instrução, quer nos julgamento, isso para não falar da repercussão na própria vida e saúde dos magistrados – cujos problemas já são conhecidos, dada a carga de trabalho e falta de estrutura – e que estariam submetidos unicamente a um regime e a uma  lógica produtiva desenfreada, em busca de números frios, a bordo de uma nau de insensatos que não raciocinam com os critérios da segurança jurídica, mas somente com a lógica competitiva de produção fabril (o fazer mais), como se os atos processuais e a vida das pessoas fossem fragmentos de um espetáculo social demagógico a ser traduzido em números, anualmente.

O assunto, entretanto, não é novo e já foi objeto de Pedido de Providências perante a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, ainda no ano de 1997 (Processo TST PP n.353952/97.3). Na época o ministro Almir Pazzianoto Pinto, com olhos no art.659 da CLT, desconstituiu ato de Corregedoria Regional da 18ª Região, registrando: “(..) “presidir significa , segundo todos os lexicólogos, dirigir, conduzir, administrar. (..) A designação da audiência situa-se, portanto, entre os atos privativos  do juiz presidente, a quem cabe, de acordo com o art.765, velar pelo andamento rápido das causas. A autoridade com que o juiz preside os destinos da Junta  foi conferida a S.Exa pela Constituição e pela Lei, não havendo como reduzi-la ou comprometê-la por decisão do Tribunal Regional ou pela vontade dos Juízes Classistas temporários”.

É de total clareza, pois, essa impossibilidade de manipulação da pauta por regimento ou resolução administrativa dos tribunais, dado que decisões dessa índole não podem interferir na atividade jurisdicional.

Reforçando esse entendimento, na ADI 3367-DF o ministro Eros Grau deixou clara essa limitação ao assinalar, quanto ao papel do CNJ: “(…) ao Conselho Nacional de Justiça não é atribuída competência nenhuma que permita a sua interferência na independência funcional do magistrado .Cabe a ele, exclusivamente, o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, nada mais do que isso. (..)  Embora órgão integrante do Poder Judiciário- razão pela qual desempenha autêntico controle interno – não exerce função jurisdicional”. Se assim é para o CNJ, o mesmo pode-se dizer em relação às Corregedorias e aos Tribunais quando atuam em sede administrativa.

Não bastasse, na ADI 2970, a ministra Ellen Grace bem destacou os limites da atuação dos Tribunais no campo da normatividade de caráter processual, ao deixar claro: “Com o advento da Constituição Federal de 1988, delimitou-se, de forma mais criteriosa, o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais, cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF, art. 22, I), bem como às garantias processuais das partes, ‘dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’ (CF, art. 96, I, a). São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição. (..).” (ADI 2.970, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-4-06, DJ de 12-5-06)”

De seu voto consta:

“Ora, na lição de José Frederico Marques, o termo “direito processual” abarca não somente as normas relativas “ às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes[6] , direitos e ônus que constituem a relação processual”, como também as normas que têm em vista compor preceitos que regulem os atos destinados a realizar a “causa finalis” da jurisdição[7]. Nessa direção, esta Corte , ao apreciar regra que fixava , em regimento, o quorum necessário para se considerar , com eficácia, uma decisão de Turma do Superior Tribunal de  Justiça , concluiu tratar-se de tema inserido na seara processual, alheio  aos assuntos de regimento, uma vez que “o dispositivo fixa um requisito da existência mesma das decisões de um Órgão Colegiado (voto do ministro Sepulveda Pertence no HC n.74.761, rel.min. Maurício Correia, DJ 12/09/97)”    

Pode-se extrair sem nenhuma dúvida que os regimentos e atos assemelhados, editados pelos Tribunais ou seus presidentes e corregedores, não podem invadir seara processual[8] ou quaisquer outros atos do juiz na condução do processo (causa finalis jurisdicional).

Há de se ponderar, de outro modo, que em casos semelhantes, quando tribunais pretenderam impor medidas administrativas até menos complexas que essa (como dias e circunstâncias da presença de juízes na jurisdição), o Supremo Tribunal Federal foi rápido ao dizer das barreiras formais para a pretendida atuação administrativa.

Na ADI 3508, por exemplo, relator ministro Sepúlveda Pertence, o TJ do Mato Grosso do Sul quis disciplinar o horários de aulas dos magistrados para não coincidir com as atividades forenses. O STF entendeu que tal matéria não podia ser objeto de ato regulamentar dos tribunais, mas apenas do estatuto da Magistratura.

Na ADI 2753 o TJ-CE determinava, por ato administrativo, que os magistrados ficassem todos os dias da semana no interior do Estado, tendo do STF desconstituído o ato por vício formal, afirmando também, em obiter dictum , a liberdade de locomoção dos juízes.

Na ADI 3053 [contra ato do JT-PA que previa o não pagamento de salários para os juízes que se ausentassem da Comarca sem autorização do Tribunal] o STF declarou inconstitucional o Provimento por entender que essas questões estão afetas à lei em sentido formal  e não a atos regulamentares.

Em resumo, o direito de autoagendamento dos serviços que prestam à sociedade, em harmonia com a lei, os primados constitucionais, os critérios de conveniência e oportunidade e as limitações humanas e materiais, traduzem a medida da independência de todo e qualquer órgão do Poder Judiciário.

Aliás, do mesmo modo que não se concebe que outro figura judiciária, além do próprio juiz, possa interferir na marcação das audiências em primeiro grau, seria igualmente impensável que o Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho ou o Conselho Nacional de Justiça (órgãos administrativos) determinassem aos tribunais superiores e regionais o número de sessões plenárias mínimas e das Turmas que deveriam ser cumpridas em cada mês ou ano, muito menos a quantidade de processos que deveriam ser julgados em cada gabinete. 

Essa liberdade, tal qual a dos juízes de primeiro grau, é também dos desembargadores e dos presidentes de Turma e do Tribunal (direito de agenda), como assim também dos ministros.

Assim também ocorre, simetricamente, com os membros do Ministério do Público, que em seu estatuto (Lei Complementar 75), tem estabelecido, no art. 4º, a “independência funcional” como princípio, de modo que seus membros não podem ser cobrados por realizar quantidades semanais de TACs, audiências ou pareceres.

E é da mesma forma nos órgãos fracionários e plenários do Parlamento e quanto à agenda dos agentes políticos do Poder Executivo.

Nesse sentido, não cabe cogitar, por exemplo, que a corregedoria parlamentar dite o ritmo dos trabalhos do Congresso Nacional nem que a CGU oriente a agenda dos ministérios e da Presidência da República, o que seria o mais arrematado absurdo.

O direito de autoagendamendo dos trabalhos, repita-se, é expressão da independência, ao mesmo tempo que a intervenção sobre essa agenda, por ato normativo  geral, em substituição aos juízes, com restrição  dessa liberdade, significa quebra da independência político-institucional da Magistratura, revelando alteração anormal do Estado de Direito, não havendo espaço para meio termo ou meias palavras nesse diagnóstico.    

Eventual regulamentação administrativa da pauta de primeiro pelos tribunais, portanto, de caráter vertical, só poderia ser entendida dessa forma, impondo aos juízes dever de resistir (e agir), na forma recomendada pelo art.6º do Código de Ética: “art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência”.

Nesse sentido, no último CONAMAT (Congresso Nacional dos Juízes do Trabalho), realizado em Gramado, foi aprovada tese a respeito do tema sintetizada nos seguintes termos:

“Ementa: Pauta de audiências: Prerrogativa do juiz natural 1. É prerrogativa do juiz natural a formatação das próprias pautas e a designação das audiências (CLT, arts. 802, 813, 815, 844, 884, §2º; CPC, arts. 277, 309, 331, 450 ETC.). (..)  4. A Interferência das corregedorias na organização do trabalho e nas tutelas processuais configura ato ilegal e violador das garantias constitucionais da Magistratura, constituindo infringência, pelos corregedores, dos deveres de legalidade e probidade (art.37 cf e lei 8.429, art.11), a desafiar necessária e pronta atuação das entidades de classe”.

Mas, além desse aspecto já tormentoso em si mesmo, outro ponto de igual desrespeito às garantias da Magistratura, que esteve em debate no TRT da 6ª Região, diz respeito à proposta de extinção do chamado zoneamento de magistrados, que vem a ser, como aludido, a divisão regional do Estado em circunscrições judiciárias com fixação permanente de magistrados titulares e substitutos nessas zonas.

A partir do momento em que o Tribunal optou por definir esse sistema de trabalho, designando os juízes substitutos respectivamente para as circunscrições, assegurou-lhes direito à inamovibilidade, já tendo o c. Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal superado o raciocínio raso de que juiz substituto é pra substituir, não importa aonde, como se argumentou no debate do assunto.

Veja-se, por todas, as seguintes decisões do CNJ:

“PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. JUÍZES SUBSTITUTOS. INAMOVIBILIDADE. APLICAÇÃO. DESIGNAÇÃO E REMOÇÃO. CRITÉRIOS OBJETIVOS. PROCEDÊNCIA.1. Aplica-se aos juízes substitutos a garantia constitucional da inamovibilidade, por se tratar de garantia funcional de independência da atividade jurisdicional, cláusula pétrea da Magistratura, que dá guarida, ao lado da irredutibilidade e da vitaliciedade, ao princípio da imparcialidade, de maneira que, exceto nas hipóteses de designação temporária para substituições eventuais, o magistrado deve ter sua independência preservada, por meio de lotação em unidade jurisdicional específica. 2. A Carta Magna de 1988, com mais evidência, manteve a tradição constitucional de, dentre as cláusulas pétreas, quanto aos juízes recém-admitidos, excepcionar apenas a garantia da vitaliciedade, ainda assim, apenas se e enquanto o magistrado estiver no lapso temporal correspondente ao estágio probatório. 3. Pedido de Providências julgado procedente.(CNJ – PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0005955-90.2010.2.00.0000 – Rel. WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR – 115ª Sessão – j. 19/10/2010 ).

RECURSO ADMINISTRATIVO – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – ATO NORMATIVO – PROPOSTA – JUÍZES SUBSTITUTOS – DESIGNAÇÃO – INAMOVIBILIDADE – LOTAÇÃO – CRITÉRIOS OBJETIVOS – DESIGNAÇÃO – PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A fim de preservar a independência da jurisdição de eventuais afrontas, aplica-se aos juízes substitutos a garantia constitucional da inamovibilidade. 2. O Tribunal deve utilizar critérios objetivos para fixação da lotação inicial dos juízes substitutos, nos termos dos precedentes desta Corte Administrativa. 3. É recomendável que se fixe critérios objetivos, também, para as designações que sucederem as lotações iniciais, o que deve ser elaborado, evidentemente, de acordo com a autonomia para cuidar de sua organização 4. Recurso parcialmente provido. (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0006607-44.2009.2.00.0000 – Rel. JORGE HÉLIO CHAVES DE OLIVEIRA – 123ª Sessão – j. 29/03/2011 ).

 No Supremo Tribunal Federal a matéria foi tratada nos autos do MS 27958, que teve a seguinte decisão:

“Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE CONSIDEROU A INAMOVIBILIDADE GARANTIA APENAS DE JUIZ TITULAR. INCONSTITUCIONALIDADE. A INAMOVIBILIDADE É GARANTIA DE TODA A MAGISTRATURA, INCLUINDO O JUIZ TITULAR E O SUBSTITUTO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. I – A inamovibilidade é, nos termos do art. 95, II, da Constituição Federal, garantia de toda a Magistratura, alcançando não apenas o juiz titular, como também o substituto. II – O magistrado só poderá ser removido por designação, para responder por determinada vara ou comarca ou para prestar auxílio, com o seu consentimento, ou, ainda, se o interesse público o exigir, nos termos do inciso VIII do art. 93 do Texto Constitucional. III – Segurança concedida” (MS 27958, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 28-08-2012 PUBLIC 29-08-2012)

 A tramitação de proposta no Tribunal com a finalidade de simplesmente extinguir as circunscrições em Pernambuco (ou desmontá-las do máximo) equivale a suprimir essa garantia dos juízes substitutos, o que não pode ser tolerado de modo algum.

Naturalmente que isso não quer dizer, como registrado na própria decisão do STF, que a inamovibilidade chegue ao ponto de comprometer o funcionamento dos serviços jurisdicionais. Claro que não. Magistrados podem ser designados excepcionalmente de uma circunscrição para outra para atender demandas judiciárias, devidamente justificadas, e desde que não haja na localidade (e  no próprio Tribunal ) outros artifícios a serem superados que prejudiquem a eficiência da prestação jurisdicional, como convocações indevidas que sacrificam a jurisdição de primeiro.

Além do mais, a realidade tem demonstrado que a falta de zoneamento, especialmente em algumas regiões maiores, contribui fortemente para o desencadeamento ou agravamento de problemas relativos a saúde e stress na Magistratura.

Testemunho nesse sentido foi recentemente colhido em Encontro ocorrido Tribunal Regional do Trabalho de Campinas, onde, no passado recente, já se realizou pesquisa de saúde ocupacional de magistrados que atestara elevadíssimo padrão de stress e comprometimento da saúde emocional, hoje minorado em boa parte pela fixação dos magistrados substitutos em circunscrições.

Em conclusão, não é favor, mas dever de todos, em prol da Magistratura e da sociedade, respeitar e assegurar a independência dos juízes, sem intervir nas pautas de julgamentos, pena de se consumar uma intervenção que compromete o Estado de Direito. De outro modo, é necessário também respeitar as decisões do CNJ e do STF quanto às garantias constitucionais dos juízes substitutos no que diz respeito à inamovibilidade, sob pena de total desfiguração das garantias institucionais do Poder Judiciário.

Que essas garantias, portanto, sejam respeitadas e compreendidas internamente, no âmbito do próprio Poder Judiciário, sob pena de a própria instituição patrocinar a desconstrução do papel da figura do juiz perante a  sociedade, o que seria inadmissível.

 

Brasília, 30 de setembro de 2014.


[1] -INSTITUIÇÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, vol.I , págs,160 e ss, ed. MILLENNIUM

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 402.

[3] -Lições Preliminares de Direito, 2º vol. 1992, pág. 102

[4] – “TEORIA GERAL DO PROCESSO “, MALHEIROS , CINTRA , GRINOVER E DINAMARCO

[5]O PODER JUDICIÁRIO NO REGIME DEMOCRÁTICO”, IN ESTUD. AVANÇADOS. vol.18 no.51 São Paulo May/Aug. 2004

[6] – poderes do juiz, bem entendido.

[7] – no caso, a entrega da prestação jurisdicional.

[8] – no caso para determinar/recomendar aos juízes condutas aos juízes na condução dos processos