22 de maio de 2014

A quem interessa um juiz com medo? – José Wally Gonzaga Neto

Nos últimos anos, temos assistido a uma série de investidas contra o Poder Judiciário. O quadro atual é muito triste – permitindo-me um coloquialismo pela falta de uma expressão mais precisa. É triste que a sociedade, diante de tantos absurdos praticados Brasil afora, volte a sua preocupação justamente para aqueles que possuem a missão constitucional de evitar o desgoverno: os juízes.

As críticas batem de frente com a vitaliciedade, a remuneração, as férias e todas as demais prerrogativas dos magistrados (que não são privilégios), atacando logo o poder que todo dia enxuga o gelo das mazelas da sociedade brasileira, sistematicamente ampliadas por sucessivos governos personalistas, arbitrários e fisiológicos, que diariamente violam as normas mais singelas da Constituição federal.

Ocorre que as prerrogativas da magistratura não são privilégios pessoais dos juízes. São garantias da própria sociedade, para que tenha a sua disposição um juiz independente e plenamente livre de qualquer influência externa no exercício de sua função constitucional de julgar vidas.

O Poder Judiciário, parafraseando o ex-ministro Carlos Ayres Britto, é uma casa de fazer destino. E para que consiga julgar vidas de forma rápida e com qualidade, como merece a sociedade brasileira, o juiz precisa de paz. E esta paz somente se faz presente quando se dá ao juiz a certeza de que, independentemente do teor de sua decisão e de quem desagrade com esta, a sua vida digna será garantida, pela vitaliciedade do cargo, do recebimento de uma remuneração que lhe afaste de desvios, do direito a férias suficientes para a recomposição física e psicológica, etc.

Afinal, o juiz é um ser humano. E como tal precisa ter a certeza de que o exercício correto de sua função não prejudicará a sua vida e a vida de sua família. Um juiz com medo interessaria apenas à pequena parcela da sociedade detentora de capital suficiente para comprar-lhe a consciência. Um juiz sem medo interessa a todos os cidadãos dignos de um Estado Democrático de Direito, independentemente de raça, cor, sexo, idade e capacidade econômica.

E, em termos bem pragmáticos e sinceros: se há algo que tem emperrado o desenvolvimento civilizatório de nosso país e que tem manchado a sua imagem no contexto internacional (sobretudo com a inédita ineficiência na organização de uma Copa do Mundo – absolutamente inoportuna, diga-se de passagem, diante das diversas outras prioridades emergenciais da sociedade brasileira), este algo não é o Poder Judiciário.

Pelo contrário, nos últimos anos, o Judiciário tem se especializado justamente em atuar nos campos em que os demais Poderes falharam, por meio do necessário ativismo judicial (responsável, sem usurpar atribuições) para fazer cumprir direitos fundamentais que, pela omissão do Legislativo ou pela negligência do Executivo, vêm sendo ignorados sem qualquer constrangimento.

E mais: o Judiciário é o único poder que corta da própria carne – novamente citando o ex-ministro Carlos Ayres Britto –, por meio do Conselho Nacional de Justiça. Não há nos demais Poderes atividade fiscalizatória e disciplinar semelhante, pelo menos não com o mesmo caráter incisivo.

Em suma, o calcanhar de Aquiles da sociedade brasileira tem endereço certo, e este não é o do Poder Judiciário. Por isso, não se pode estimular a potencialização do ataque ao trivial (prerrogativas dos juízes) em detrimento da visualização do que é verdadeiramente essencial (independência dos juízes), pois, com a inversão dos valores e o desvio do foco, quem perde, ao fim e ao cabo, é a sociedade brasileira.

JOSÉ WALLY GONZAGA NETO é juiz do Trabalho Substituto da 9ª Região em Curitiba e membro do Conselho Fiscal da Amatra IX.