15 de fevereiro de 2019

Artigo: Justiça do Trabalho e Ação Coletiva – Uma nova postura a partir dos princípios da Lei nº 13.467/2017

JUSTIÇA DO TRABALHO E AÇÃO COLETIVA – UMA NOVA POSTURA A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DA LEI Nº 13.467/2017

Luciano Augusto de Toledo Coelho[1]

Mayara dos Santos Vermonde[2]

 

 

I) Da Ação Coletiva

No Brasil, a tutela dos interesses coletivos ganhou ênfase com a entrada em vigor da Lei nº 4.717/65, que tratou da ação popular, possibilitando assim que qualquer cidadão fosse legítimo a ajuizar a referida medida em defesa do patrimônio público – sendo esse um interesse da coletividade e, portanto, a legitimidade conferida extraordinária. (GONGALVES, 2016). Após, a Constituição Federal reconheceu, em seu artigo 5º, inciso LXXIII, que:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Contudo, apenas com a edição da Lei da Ação Pública e depois com o Código de Defesa do Consumidor que a tutela aos interesses coletivos se difundiu em nosso ordenamento jurídico. (GONGALVES, 2016). Nishi (2014, p. 2), afirma que com esses dispositivos legais, “no âmbito infraconstitucional, possibilitou-se a efetividade da defesa coletiva dos direitos, iniciando a formação do microssistema de processo coletivo, que compõe um sistema harmônico por diversas leis esparsas, aplicáveis a todas as demandas coletivas”.  A composição desse sistema é traduzida pela criação de leis que protegem os interesses das pessoas portadoras de deficiências (Leis nº 7.853/89 e 13.146/2015), dos investidores no mercado de valores mobiliários que tiveram danos (Lei nº 7.913/89), das crianças e adolescentes (Lei nº 8.069/90), da probidade administrativa (Lei nº 8.429/92) e da ordem econômica e economia popular (Lei n º 8.884/94).

Segundo, Medeiros Neto (2012, p. 292/293), em seu artigo sobre “dano moral e o valor da sua reparação”, com a instituição do CDC:

Evidenciou-se, pois, a certeza de que a coletividade, em qualquer de suas expressões, é titular de interesses e direitos de natureza extrapatrimonial – reconhecidos e amparados pelo sistema jurídico –, passíveis de defesa pelos instrumentos processuais adequados à tutela jurisdicional peculiar a essa seara coletiva, destacando-se, por excelência, a ação civil pública.

Teori Albino Zavascki (2005, p. 148), em sua tese de doutorado[3], conceituou as ações coletivas como:

(…) procedimento especial estruturado sob a fórmula da repartição da atividade jurisdicional cognitiva em duas fases: uma, que constitui o objeto da ação coletiva propriamente dita, na qual a cognição se limita as questões fáticas e jurídicas que são comuns à universalidade dos direitos demandados, ou seja, ao seu núcleo de homogeneidade; e outra, a ser promovida em uma ou mais ações posteriores, propostas em caso de procedência da ação coletiva, em que a atividade cognitiva é complementada mediante juízo especifico sobre as situações individuais de cada um dos lesados (= margem de heterogeneidade).

Para a compreensão de tal instituto, importante conhecer o conceito de direito transindividual – primeiramente. Neste âmbito, a coletividade de indivíduos configura como titular e, por esse motivo, a possibilidade do uso individual exclusivo por parte de qualquer membro dessa coletividade, excluindo a utilização de outrem, não existe. (CIANCI; QUARTIERI; GOZZOLI; CALMON; 2010). Em desdobramento do direito transindividual, o Código de Defesa do Consumidor – em seu artigo 81 – pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, conceituou o exercício da defesa coletiva através dos:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Observa-se que os direitos difusos têm como titulares sujeitos indeterminados, relacionados por circunstâncias de fato, ao passo que os direitos coletivos apresentam titulares determinados ou determináveis, haja vista a preexistência de vinculo jurídico. Já os direitos individuais homogêneos, diferentemente dos anteriores, detêm divisibilidade do objeto. Contudo, manifesta similitude, com os direitos difusos, eis que seus titulares correlacionam-se por meio de circunstâncias fáticas; e com os direitos coletivos stricto sensu, pois seus titulares são determinados ou determináveis.  (CIANCI; QUARTIERI; GOZZOLI; CALMON; 2010).

Pertinente diferenciar a ação coletiva, com tutela dos direitos individuais homogêneos, do litisconsórcio ativo multitudinário. A primeira é a demanda na qual predomina a não identificação prévia dos titulares das pretensões buscadas em Juízo. Somente na fase da liquidação e execução é que os titulares serão identificados. Já na segunda ação é obrigatória a identificação prévia de todos os titulares do direito material no polo ativo da demanda. Ou seja, no litisconsórcio ativo multitudinário cada titular atua em defesa de seu direito, sendo legitimado ordinário. Enquanto na ação coletiva – na fase de conhecimento – o posto de legitimado ativo é delegado. (SANTOS, 2018).

Na esfera trabalhista, a ação coletiva tem como finalidade efetivar o dito Direito – em seu contexto objetivo – do trabalho. Sendo assim, a tutela coletiva trabalhista almeja simplificar a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. (MELO, 2018). Com esse intuito, o processo coletivo reúne instrumentos de aspectos jurisdicionais – exigindo a presença e decisão do magistrado – e administrativos – como o inquérito civil trabalhista, no qual o Ministério Público do Trabalho é titular. A junção desses instrumentos representa a inovação do processo coletivo trabalhista, a fim de solucionar controvérsias inerentes ao interesse público primário de toda a sociedade.  (SANTOS, 2018).

II) Da Legitimidade para propor Ação Coletiva

No que se refere à legitimidade para propor ação coletiva, os entes públicos ou sociais permitidos estão dispostos no artigo 5º, da Lei da ação civil pública (Lei nº 7.347/85) combinado com o artigo 82, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Consoante Santos (2018, p. 176) essa integração forma o núcleo do microssistema jurisdicional de tutela coletiva”.

Lei no 7.347/85.Lei da Ação Civil Pública

Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007)-  (Vide Lei nº 13.105, de 2015) – (Vigência)

I – o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

II – a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;  (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;  (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;  (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Redação dada pela  Lei nº 13.004, de 2014) 

Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:  (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)          (Vide Lei nº 13.105, de 2015)   (Vigência)

I – o Ministério Público,

II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

Verifica-se que na ação coletiva, o legitimado ativo não é o titular do direito material pretendido, visto que quem postula em juízo o faz em nome próprio, por direito alheio. No que diz respeito ao requisito processual de condições da ação, Cianci, Quartieri e Gozzoli, Calmon (2010, p. 30) expõem:

Com efeito, a legitimidade para agir, enquanto condição da ação, é um dado do qual não se pode prescindir em termos de tutela coletiva, pelo simples fato de que aquele que comparece em juízo para defesa de direitos transindividuais e mesmo de direitos individuais homogêneos não é o titular do direito material afirmado. Em consequência, o reconhecimento da ilegitimidade pode até significar a ausência de representatividade adequada, porém, nunca o reconhecimento de inexistência do direito material, ou seja, a improcedência do pedido. Assim, fica evidenciada a importância e mesmo a indispensabilidade da verificação pelo juiz acerca da presença ou não de legitimidade para agir no sistema de tutelas coletivas, não caracterizando sua decisão sobre essa matéria uma sentença de mérito, senão de natureza meramente processual.

No âmbito do Direito do Trabalho, a atuação do parquet é atribuída ao Ministério Público do Trabalho, consoante artigo 129, inciso III[4], da Constituição Federal c/c art. 5º, inciso I da Lei nº 7.347/85 e art. 82, inciso I, da Lei nº 8.078/90. Ainda, além dos legitimados supramencionados, no artigo 8º, inciso III da CF/88, fora atribuída a legitimidade para os sindicatos na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, tanto em questões judiciais como administrativas. Fernandes (2010, p. 95) afirma “a categoria é uma entidade desprovida de personalidade jurídica, não podendo assim, exercer direito, senão através do sindicato, que é a personificação dela”. Sobre a atuação dos sindicatos Gonçalves (2016, p. 77) elucida:

O inciso III do art. 8o da Constituição Federal explicita que somente os interesses coletivos da categoria é que poderão ser postulados em juízo pelo sindicato. Eles podem ser difusos, coletivos ou individuais homogêneos, mas devem estar relacionados à̀ categoria à qual o sindicato está vinculado. Rara será a ação ajuizada por sindicato para a defesa de interesses difusos porque, em regra, estes ultrapassam os limites da categoria. Mas se lhe pertencerem exclusivamente, poderão ser defendidos pelo sindicato.

O artigo 513, alínea “a” da CLT[5], reforça o entendimento acima exposto. Em avanço, pertinente esclarecer as diferenças das associações para as dos sindicatos. Ambos são chamados de corpos intermediários ou instâncias intermediárias. As associações detém natureza jurídica de pessoa jurídica, originada pela união de indivíduos com fins não econômicos. Para sua constituição legal, necessária a inscrição do estatuto no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.  Já, os sindicatos são pessoas jurídicas de direito privado, contudo, com a aplicação do regramento das associações. Os seus estatutos devem ser inscritos tanto no Registro Civil de Pessoas Jurídicas como no Ministério do Trabalho e Emprego. Ainda, os sindicatos são formados pela reunião de indivíduos com fins não econômicos, mas que almejam a defesa dos direitos da categoria, sejam eles de caráter individual ou coletivo. (ZAGO, 2016).

Quanto à necessidade do rol dos representados pelos entes públicos ou sociais nas ações coletivas, tem-se, desde 2015, que quando o sindicato assume a condição de substituto processual da categoria, não é exigida a autorização específica dos substituídos, consoante julgamento do Recurso Extraordinário 865.517 pelo STF. Tal entendimento é confirmado pelo cancelamento da Súmula 310 do TST, que vedava a substituição processual pelo sindicato. Contudo, no julgamento do Recurso Extraordinário 612.043, pelo STF, no que se refere às associações, entendeu-se que a execução de sentença transitada em julgado, em ação coletiva proposta por entidade associativa de caráter civil, terá alcance somente dos filiados na data da propositura da ação.

III) Do esgotamento do Sistema de Gestão de Ações Individuais como Agente de Mudança do Mundo do Trabalho

A Justiça do Trabalho sempre se pautou pela solução de casos individuais. Um grande número de demandas, ajuizadas diariamente nas varas do trabalho de todo o pais, demonstram ambiente de litigiosidade, reiterado descumprimento da legislação e, não raro, abuso no direito de litigar com pedidos exagerados ou indevidos.

A repetição das matérias é constante, analisando-se as mesmas violações, os mesmos problemas e causas de pedir, seguidamente, com decisões condenatórias em série, sem que as empresas alterassem, mesmo diante de inúmeras condenações, seus métodos ou sistemas produtivos.

A título de exemplo, a questão da jornada de trabalho do gerente bancário, julgada milhares de vezes, sem que haja uma solução que cesse a violação, ou pacifique o tema, evitando o ajuizamento das demandas.  Por outro lado, a enorme demanda por parcelas rescisórias também indica um fenômeno ao mesmo tempo econômico e de ausência de maior penalidade ao descumprimento da legislação.[6]

A essencial fiscalização dos órgãos estatais competentes sofre com falta de verbas e sucateamento[7], e a fraca atuação de muitos sindicatos, destinatários do imposto sindical, também não enseja mudanças na realidade. A ausência de consequências penais ou maiores consequências patrimoniais aos que descumprem preceitos básicos da lei trabalhista, é outro fator que contribui para a ausência de solução definitiva e estimulo ao ajuizamento de mais demandas individuais.

Nesse contexto, a Justiça do Trabalho, célere e eficiente no tratamento dessas ações individuais, assumiu um protagonismo no mundo do trabalho, protagonismo esse que, entendemos, teve o efeito colateral de estimular demandas individuais, e potencializar críticas à atuação desse ramo judiciário, críticas essas muitas vezes injustas e embasadas em falácias[8] que de modo algum contribuem para a solução e aprimoramento do sistema.

A manutenção do alto número de ações sobre os mesmos temas, portanto, já vem mostrando uma necessidade de atuação diferente, que ao mesmo tempo solucione os problemas em sua origem, e desestimule a judicializacao como forma de solução. O forte viés para conciliação buscado incessantemente nos últimos anos pela política judiciaria nacional já demonstra o caminho no sentido de uma política judiciaria pacificadora e que desestimule o prosseguimento das demandas judiciais.

Conforme Carlos Henrique Bezerra Leite, os objetivos são o de disseminar a cultura da paz e desestimular condutas que tendem a gerar conflitos, estando na gênese da Justiça do trabalho a extinção dos conflitos pelo meio da conciliação[9].

 IV) Da necessidade de estimulo para a demanda em Ação Coletiva

Com a criação da política judiciaria imposta pelo CNJ, o poder judiciário adota a lógica da solução possível em uma sociedade e massa, procurando utilização de métodos de gerenciamento oriundos da iniciativa privada, com imposição de metas, rankings, premiações e estímulo à rápida solução dos litígios.

Essa política, necessária, diga-se, diante do enorme desafio para que a sociedade tivesse uma resposta diante da cobrança por soluções céleres, inclusive em face da razoável duração do processo como norma constitucional, traz consequência uma mentalidade judicial baseada em números. O trabalho do juiz, entretanto, nem sempre se mede numericamente. Trata-se de uma atividade intelectual, profundamente desgastante, exigindo em inúmeros casos um labor quase artesanal, na busca da melhor solução ao caso concreto.

Na Justiça do Trabalho, na qual a regra são as demandas com inúmeros pedidos, mais de um réu, prevalência de matéria fática e oralidade, o desafio se torna ainda maior, trata-se de dar um delicado equilíbrio ao cumprimento das metas sem descurar da qualidade exigível ao trabalho artesanal da colheita e análise de provas e aplicação do direito para melhor solução do caso concreto.

O Juiz do Trabalho[10], ao contrário do que o senso comum pode achar, tem prazos para cumprir e é cobrado acerca do cumprimento. A resolução 177 do CSJT, prevê prazos de 30 a 60 dias para que o juiz profira a decisão e as consequências do descumprimento, existem rankings e metas[11] para cumprimento de soluções conciliadas e para solução de execuções. E nem poderia deixar de ser assim eis que nos parece que essa é a demanda da realidade em uma sociedade de massa.

Ocorre que, se a solução de dezenas de ações atomizadas já representa para o juiz do trabalho um desafio enorme, a solução de uma demanda coletiva impõe redobrado cuidado. Não se pode, dessa forma, tratar uma demanda coletiva, numericamente igual a uma demanda individual, pois solucionar uma demanda em que o réu foi revel e confesso, em que não se produziu qualquer prova, é incomparável com a solução de uma complexa demanda coletiva. Por outro lado, o aspecto de pacificação social e de possibilidade de mudança da realidade no ambiente de trabalho vem a ser muito mais eficaz com a rápida e efetiva solução da ação coletiva.

Seria, assim, dentro das políticas judiciárias, de suma importância o estabelecimento de políticas que valorizassem a solução de tais demandas, como por exemplo, maior apoio operacional ao juiz que tivesse sob seus cuidados uma demanda coletiva, maior valoração da solução de demandas coletivas para fins de promoções, contagem de prazos de forma diversa para solução de tais casos, contagem estatística tendo em vista o número de substituídos ou o impacto social.

V) A Reforma Trabalhista e a Restrição às Ações Atomizadas

Com a entrada em vigor da chamada reforma trabalhista, Lei 13467-2017, que teve como objetivos claros, a redução do número de demandas na justiça do trabalho[12] e a solução extrajudicial dos conflitos, a segurança jurídica e a menor intervenção, houve imposição de maiores custos ao litigante, restrições para a justiça gratuita e, principalmente, a instituição de honorários de sucumbência, restringiu o ajuizamento de demandas individuais.

Nesse novo quadro, a ação coletiva se torna essencial, a atuação de sindicatos, que agora, com o fim do imposto sindical, precisam convencer o trabalhador acerca das vantagens da sindicalização, vem a ser de suma importância. A ação coletiva tem o condão de solucionar, em uma única decisão com efeito erga omnes, enorme número de conflitos individuais inclusive de trabalhadores ainda empregados, gerando com um dos efeitos uma pacificação e uma penetração social jamais alcançável pela solução de demandas individuais reiteradas e julgadas por vários magistrados, com soluções diversas.

Ao mesmo tempo, os riscos e custos da demanda são assumidos pelo sindicato, proporcionando, portanto, de forma indireta, acesso à justiça sem que o trabalhador se exponha a pagamento de honorários sucumbenciais, que, embora previstos na reforma trabalhista para as demandas coletivas (artigo 791 – A parágrafo 1o), devem ser fixados com base em valores arbitrados de forma cuidadosa, para que não se desestimule a demanda dessa forma, respeitando os princípios da nova lei que visou reduzir demandas individuais.

 IV) Da Importância da Ação Coletiva na Efetividade da Justiça como Meio de Transformação do Mundo do Trabalho

Perante o todo exposto, de fundamental destaque mostra-se a ação coletiva na efetividade da Justiça. Na concepção de Aluísio Gonçalves – citado por Cianci, Quartieri, Gozzoli e Calmon (2010, p. 53/54) – “as ações coletivas podem funcionar como um efetivo instrumento para o aperfeiçoamento do acesso à justiça, eliminando os entraves relacionados com os custos processuais e o desequilíbrio entre as partes”. Nesse sentido, acertado afirmar que as ações coletivas representam a celeridade, a efetividade, a redução dos custos materiais e econômicos na prestação jurisdicional, a uniformização de julgamentos, a harmonização social, o menor número de decisões contraditórias e, por consequencia, o aumento da credibilidade da sociedade no Poder Judiciário.   (BOUCINHAS FILHO, 2011).

Entretanto, verifica-se que tanto doutrina como jurisprudência pátria não atribuem a devida importância a essas demandas, muitas vezes por prezarem pela demonstração cabal do titular do direito processual dever ser quem postula em Juízo. (NERY JÚNIOR apud CIANCI, QUARTIERI, GOZZOLI E CALMON, 2010). Ainda, atesta-se que a relutância, no que diz respeito ao manejo e estudo das ações coletivas, é ocasionada também em razão da formação jurídico-processual dos futuros profissionais do direito, eis que essa está pautada na ideia de conflitos entre indivíduos isolados, sendo o interesse processual direto e pessoal (MANCUSO apud CIANCI, QUARTIERI, GOZZOLI E CALMON, 2010).

A mudança na compreensão da valia das ações coletivas é essencial. Santos (2018, p. 316) acerca das adaptações necessárias frente à sociedade, declara:

Se o Direito é estático, quando em confronto com a sociedade altamente dinâmica à qual deve regular, não lhe resta outra alternativa a não ser promover as adaptações e os avanços necessários para acompanhá-la, neste cenário intercambiante e mutante. Além disso, também experimentamos o fenômeno da superpopulação, tecnização, consumo, politização e reurbanização ou explosão demográfica nos grandes centros, formando as megametrópoles – em que todos têm que conviver em harmonia, um respeitando o direito dos outros, e daí a necessidade cada vez mais premente de se privilegiar o coletivo em detrimento ao individual. Essa necessidade é visual em virtualmente todos os campos da convivência humana. (…) Daí a importância do direito processual coletivo do trabalho na tutela dos direitos e interesses de massa, relacionados aos direitos humanos fundamentais.

Melo (2018, não paginado) corrobora com esse posicionamento ao sustentar que:

A resolução coletiva dos conflitos sociais de interesses surgiu para romper com a tradicional forma individualista de acesso ao Judiciário, que mostrou não ser capaz e adequada para assegurar soluções justas na maioria dos casos. Mas é bom que se diga que essa nova forma de acesso ao Judiciário não veio para acabar com a jurisdição individual, mas para, ao seu lado, propiciar nos casos cabíveis a tutela coletivizada e, assim, dar mais efetividade aos direitos dos cidadãos.

No que corresponde à Justiça do Trabalho, Pimenta e Soraggi Fernandes (2007, p. 60) já afirmavam que:

Não há como negar que a concepção individualista do processo trabalhista não mais consegue solucionar, de maneira efetiva, os conflitos que chegam, em massa, às Varas da Justiça do Trabalho. Diante de tal realidade, na busca da efetivação dos direitos trabalhistas, surge a proposta de uma real implementação da coletivização do Processo do Trabalho que, através, principalmente, da ação civil pública, representa uma solução eficaz para tratar as inúmeras pretensões judiciais no âmbito do Direito do Trabalho que, muitas vezes, são simplesmente idênticas. Para tanto, faz-se necessário enfrentar todos os obstáculos hoje existentes para a afirmação e efetiva utilização desse novo sistema processual.

Após a Reforma Trabalhista (Lei nº. 13.467/17), repisamos, a atuação dos sindicatos, através das ações coletivas, mostra-se imprescindível (FERRACIN, 2018). Nas palavras de Carlos Ayres Britto (apud FERRACIN, 2018, não paginado): “a coletivização do processo significa colocar, perante o empregador, uma instituição versada na condução de litígios, o sindicato; ele tem costas largas, ele impessoaliza a demanda, ele tira o trabalhador da linha de tiro”. Evidente que a tutela coletiva é ferramenta apta a promover a real efetividade ao Direito do Trabalho (MELO, 2018).

Portanto, inequívoca a importância das ações coletivas como instrumento de efetivação dos direitos sociais assegurados pela Constituição Federal e também para diminuir a sobrecarga do Poder Judiciário de processos com objetos similares.

Outrossim, na esfera do Direito do Trabalho, a tutela coletiva é ferramenta de transformação da concepção individualista de litígio, salvaguardando o acesso à Justiça, além de facilitar a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, com celeridade e efetividade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOUCINHAS FILHO, J. C. (2011). As ações coletivas na Justiça do Trabalho: proporstas para atualização da Lei Brasileira. Disponível em: <www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/jorge_boucinhas_filho/jorge_filho_acoes_coletivas.pdf>

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[1] Juiz titular da primeira vara do trabalho de Cornélio Procópio – PR. Mestre em Direito pela PUC PR.

[2] Técnica em Segurança do Trabalho pela UTFPR. Aluna do curso de Direito da PUC PR.

[3] Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos.

[4] Art. 129, III, CF – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivo;

[5] Art. 513, CLT: São prerrogativas dos sindicatos: a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida;

[6] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85421-justica-em-numeros-indica-os-assuntos-mais-demandados-em-2016-nos-tribunais

[7] Destaque-se que houve um sucateamento do Ministério do Trabalho, com pouca estrutura, a fiscalização se faz dentro do possível, mas com baixo número de fiscais e multas em valores baixos, nem de longe e suficiente para que o mau empregador altere suas práticas. http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/09/em-protesto-auditores-fiscais-do-trabalho-denunciam-desvalorizacao.html

[8] A exemplo, agentes políticos mencionam o gasto com a justiça do trabalho diante do que ela arrecada, descurando do fato de que a função constitucional não é a de órgão arrecadador, mas a de pacificação social.

[9] Analise do Instituto da conciliação na Justiça do Trabalho. Em Conciliação, um caminho para a paz social, coord.: Luiz Eduardo Gunther e Rosemarie Diedrichs Pimpão. Juruá, 2013, p 739.

[10] Referimo-nos apenas aos juízes trabalhistas, mas existem também cobranças e prazos a serem cumpridas pelos demais magistrados das justiças estadual e federal. A estrutura, entretanto, o orçamento e a gestão, são muito diversos entres as justiças estadual, federal e trabalhista, no Brasil.

[11] http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/justica-do-trabalho

[12] Objetivo esse atingido de forma quase automática, tendo em vista a comparação com o número de ações ajuizadas antes e depois da Lei. Entendemos inclusive que tal circunstancia já demonstra que a lei anterior estimulava a judicializacao inconsequente e que a reforma, nesse ponto, trouxe a necessidade de maior reflexão e responsabilidade no manejo da ação trabalhista.