5 de abril de 2013

A realidade da magistratura brasileira – Luciano Coelho

Luciano Augusto de Toledo Coelho, juiz do trabalho em Curitiba, é diretor cultural da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná

A categoria profissional dos magistrados brasileiros não sai da mídia. Essa complexa organização judicial que engloba os ministros dos quatro tribunais superiores, desembargadores da justiça comum, da justiça federal, da justiça do trabalho e, a grande e esmagadora maioria, juízes de primeiro grau dessas instâncias, trabalha em condições absolutamente díspares, nas mais diferentes regiões desse nosso país continental. O sistema judiciário nacional é complexo em sua organização, tribunais e diferentes realidades, diferenças estruturais e culturais, inclusive dentro de um mesmo ramo do Poder Judiciário.

O ingresso na magistratura se dá, para o primeiro grau, por concurso público, no qual são avaliados com rigor os conhecimentos técnicos do candidato, além de sua vida pessoal e profissional anterior. Não é incomum que o candidato faça vários concursos e estude durante anos para obter aprovação. A maioria dos candidatos é jovem, oriundos de classe média, e é atraído pela estabilidade e pelos demais direitos “garantidos” constitucionalmente aos magistrados. Portanto, quando um profissional pondera se vale a pena estudar e dedicar-se para passar em um concurso para magistrado, são ponderadas também as garantias que a Constituição e a lei oferecem a esse profissional.

A maior parte dos juízes brasileiros está no primeiro grau de jurisdição, sendo essa a porta de entrada da justiça e a que tem contato direto com o cidadão. Juízes de primeiro grau atuam em regra no interior do país, alguns locais com boa estrutura e outros com estrutura absolutamente precária. Os novos magistrados já não contam mais com aposentadoria integral desde a EC 45/2004, embora continuem contribuindo com um valor maior para a previdência social, eis que incidente sobre o total de vencimentos, sem limite de teto. O magistrado necessita manter-se atualizado, fazer cursos obrigatórios em escolas judiciais nas áreas de seu conhecimento especifico e, ainda, aprimorar-se em conciliação, gestão, interagindo com áreas como psicologia, medicina, contabilidade, administração, em um sistema jurídico de precedentes, súmulas, resoluções, medidas provisórias, decretos e portarias, acrescendo-se uma cultura de busca do Judiciário para resolução de todos os conflitos, o que atrai milhares de processos complexos todos os dias para as varas e para os tribunais.

Quanto à gestão – sem ter preparo acadêmico para tanto, pois o juiz é oriundo do curso de direito, que não tem nenhuma cadeira de gestão – requer-se do magistrado que faça a administração das varas e dos fóruns.

São exigências normais da carreira, decorrentes do anseio da sociedade para um Judiciário melhor e mais célere. Por outro lado, existe a necessidade de atrair para a carreira os melhores candidatos. Diante disso, incompreensível e desproporcional que, ao serem discutidos direitos relativos à categoria, esses profissionais sejam fortemente questionados, como se, ao postular direitos e garantias, intencionassem pilhar os cofres públicos.

Magistrados enfrentam os mesmos problemas que afligem qualquer cidadão, apesar de o imaginário popular, e talvez por ser a imagem que mais é fixada pela mídia, pensar no cidadão que conta com motorista, aluguel pago e benesses como se fosse um alto executivo, essa não é a realidade da esmagadora maioria, principalmente no primeiro grau de jurisdição.

O juiz exerce profissão de risco, principalmente aqueles que trabalham em varas criminais, o que agrega mais um fator emocional estressante na vida do magistrado. A saúde dele é questão que apenas recentemente entrou na pauta dos tribunais, diante da constatação do aumento do número de casos de depressão, afastamentos em licença de saúde e da constatação de que a qualidade de vida da maior parte dos magistrados é ruim: obesidade, estresse, risco cardíaco. O juiz não pode ter nenhuma outra profissão, a não ser como professor, e não pode deixar a carreira para exercer a advocacia, pois existe uma quarentena de três anos, ou seja, é proibido até de exercer a advocacia privada caso resolva deixar de ser juiz.

Nesse quadro, a incerteza quanto ao reajuste adequado dos subsídios, as eternas ameaças ao regime de férias de dois meses, os ataques aos benefícios, inclusive alguns recebidos por diversas outras categorias no serviço público, trazem insegurança, desmotivação e sentimento de falta de reconhecimento, aumentando em muito o já natural impacto emocional ao qual um magistrado é submetido. Afastam, ainda, bons candidatos, que acabam por optar por carreiras menos desgastantes.

A magistratura tem lutado de forma legítima e justa pela manutenção de direitos e garantias e por reposição de perdas salariais em face do descumprimento da Constituição, com relação ao reajuste anual dos subsídios. Luta, também, por respeito, informação, coerência e imparcialidade por parte de quem se dispõe a discutir os caminhos para um Poder Judiciário fortalecido e independente no país.

(Publicado no caderno Justiça & Direito – Gazeta do Povo / 05/04/2013)